Cigano
______________Definição de Cigano
O povo Roma (Rom, na forma singular), juntamente com os Sintos e os Calon ou Calé são designados vulgarmente por “Ciganos”. São pessoas tradicionalmente nômades.
Estudos linguísticos realizados a partir do século XX indicam que são originários do norte da Índia e que hoje vivem espalhadas pelo mundo, especialmente na Europa, sendo sempre uma minoria étnica nos países onde vivem.
_________Mitos, Hipóteses e Evidências
______A verdadeira orígem dos Ciganos (Rom e Sintos)
Muitos mitos tem sido elaborados sobre a orígem desse misterioso povo presente em todas as nações do ocidente, chamado de maneiras diferentes, comumente conhecidos como gitanos, ciganos, zíngaros, etc., cujo nome verdadeiro é Rom (ou melhor, Rhom) para a maioria dos grupos e Sintos para os demais. Não exporemos aqui as lendas universalmente reconhecidas como tais, a não ser o último mito mais largamente difundido que ainda é considerado como verdade: a presumida orígem indo-européia.O fato de que o povo rom chegou à Europa proveniente de algum lugar da India não significa que tenham vindo de sua terra de orígem. Todos viemos de algum lugar onde nossos ancestrais viveram, quiçá tendo chegado eles mesmos de algum outro país.Toda a hipótese que sustenta a orígem indo-européia se apóia num único elemento: o idioma romanês. Tal teoria não leva em conta outros fatores culturais muito mais importantes que evidenciam claramente que o povo rom não tem nada em comum com as gentes da India, exceto elementos linguísticos.Se devêssemos levar a sério uma hipótese que se baseia sómente no idioma para determinar a orígem do povo, chegaríamos à conclusão de que quase todos os norte-africanos vieram da Arábia, que os judeus ashkenazim são uma tribo germânica, que os judeus sefaraditas são simplesmente espanhóis que praticam outra religião e não que são um povo diferente, etc.Os afro-americanos não sabem sequer que idioma falavam seus ancestrais e portanto deveriam considerar-se ingleses. Definitivamente, o idioma por si mesmo não é suficiente para definir a pertinência étnica, e todos os demais fatores determinantes são contrários à idéia de uma orígem indiana do povo rom – incluindo alguns elementos presentes no próprio idioma romaní.Os fatores mais importantes que permanecem em todo povo desde a mais remota antiguidade são de consistência espiritual, que se manifestam nos sentimentos mais íntimos, comportamentos típicos, memória coletiva, quer dizer, na herança atávica.Neste estudo, começarei expondo o mito antes de apresentar as evidências e a consequente hipótese sobre a verdadeira orígem do povo rom.
Os estudiosos fizeram muitos esforços com o propósito de demonstrar a orígem indiana do povo rom, todos os quais foram inúteis por falta de evidências. Alguns documentos que foram inicialmente considerados como referentes ao povo rom, como por exemplo os escritos de Firdawsi, tem sido sucessivamente desacreditados.
Demonstrou-se que todos os povos dos quais se pensou que poderiam ter alguma relação com os ciganos, como os dom, os luris, os gaduliya lohars, os lambadis, os banjaras, etc, na realidade não tem sequer uma orígem comum com o povo rom. A única semelhança entre todos eles é a tendência à vida nômade e o exercício de profissões que são típicas de toda tribo de qualquer extração étnica que pratica tal estilo de vida.
Todos estes resultados inúteis são a consequência natural de uma investigação realizada a partir de parâmetros errados, ignorando a essência da cultura romaní e a herança espiritual do povo cigano, que é incompatível com qualquer povo da India.
Uma teoria que recentemente está obtendo sucesso no ambiente intelectual interessado no argumento (teoria destinada a provar-se errônea como todas as precedentes) pretende ter descoberto a “cidade” original na qual o povo rom poderia ter suas orígens: Kannauj, em Uttar Pradesh, India.
O autor chegou a algumas conclusões interessantes que desacreditam todas as precedentes, sem dúvida seguiu a mesma linha investigativa que produziu o fracasso daquelas outras: o indício linguístico, que o conduz indefectivelmente a obter um resultado errado. Por conseguinte, o autor funda sua hipótese inteiramente sobre uma suposta evidência linguística, a qual é absolutamente insuficiente para explicar os aspectos culturais do povo rom que não estão relacionados com o idioma e que indubitavelmente são muito mais importantes, aspectos que constrastam com a teoria proposta.
Neste estudo citarei algumas afirmações do autor (traduzindo-as do texto em inglês) recolocando sua estranha forma de escrever as palavras em língua romaní com uma forma mais exata e compreensível – por exemplo, o caracter “rr” não representa nenhum fonema em romanês; o som gutural do “r” está melhor representado como “rh”, mesmo que nem todos os dialetos ciganos pronunciem desta forma, como o próprio gentílico “rom” se pronuncia “rhom”, porém também simplesmente “rom”. Geralmente o “h” se usa para indicar uma sonoridade alternativa da consoante que o precede e no caso no qual os acentos ortográficos, circunflexos e outros sinais não se podem reproduzir de maneira adequada, o “h” serve como a melhor letra complementar na maioria dos casos. Pessoalmente prefiro o alfabeto esloveno com algumas leves modificações para transcrever corretamente a língua romaní, porém na internet nem sempre é possível ver as páginas como foram escritas quando se usam sinais ortográficos não convencionais, portanto usarei a forma alternativa que consiste em agregar letras complementares.
Para expor a teoria mencionada, começarei citando uma afirmação do autor com a qual estou completamente de acordo:
” É sabido que na realidade não existe nenhum povo na India atualmente que possa estar aparentado com os rom. Os vários grupos etiquetados como “gypsies” (com “g” minúsculo) na India não tem nenhuma relação genética com os ciganos. Estes adquiriram o título de “gypsies” através da polícia colonialista britânica que no século XIX os chamou assim por analogia com os “Gypsies” da Inglaterra. Sucessivamente lhes aplicaram as mesmas leis discriminatórias que existiam para os “Gypsies” ingleses. Logo a maioria dos estudiosos europeus, convencidos de que o nomadismo ou a mobilidade são um caráter fundamental da identidade romaní insistiram em comparar os rom com várias tribos nômades da India, sem encontrar nenhum outro caráter em comum, porque suas investigações eram afetadas por preconceitos para com os grupos nômades”.
Isto é certo, os investigadores tomaram idéias preconcebidas sobre as quais fundaram suas hipóteses. Sem dúvida, o autor não é uma exceção e cometeu o mesmo erro.
De sua própria declaração resultam as seguintes perguntas: Por que não existe nenhum povo na India aparentado com os rom? Por que toda a população cigana emigrou sem deixar o menor traço de si mesmos, ou alguns parentes? Há uma só resposta: porque não eram da India, sua orígem não pertencia àquela terra, e sua cultura era demasiado incompatível com a cultura indiana.
Só uma minoria religiosa pode emigrar em massa de um país no qual a maioria dos habitantes pertencem a sua própria família étnica. E uma minoria religiosa naqueles tempos significava que era uma confissão “importada”, não gerada no ambiente indiano.
O presumido exílio em Jorasan exposto pelo autor como a razão pela qual o povo rom abandonou a India carece de fundamento, pois não dá uma explicação sobre as crenças e tradições ancestrais dos ciganos, as quais não são nem indianas nem islâmicas (porque Jorasan nessa época não era mazdeísta [ou zoroastrista] já desde muito tempo atrás), porém falaremos deste argumento mais adiante neste estudo.
De toda maneira, o autor revela um mito na seguinte declaração:
” Quanto às presumidas semelhanças entre o idioma romaní e outras línguas indianas, geralmente o punjab e o rajastani, trata-se sómente de um estratagema usado pelos nacionalistas que representam tais grupos linguísticos e defendem os interesses das respectivas nações: eles simplesmente tentam aumentar artificialmente o número da própria população”.
Este é exatamente o caso.
Tive a oportunidade por mera casualidade de encontrar na internet grupos de discussão rajput/jat nos quais eles dizem estar convencidos de que os ciganos são um clan jat ou rajput. Se o fazem ou não em boa fé, o fato é que suas declarações são expressadas em um contexto nacionalista e parecem perseguir propósitos de tipo político. A principal presumida prova que apresentam é que os árabes chamavam aos ciganos de “zott”, que significa “jat”, desde o momento em que aparentemente chegaram ao Oriente Médio.
Sinceramente, os escritos dos historiadores árabes são apenas um pouco mais exatos que as fábulas de “As mil e uma noites” quanto à precisão histórica.
Havendo devidamente reconhecido estas importantes reflexões do autor da “teoria Kannauj”, agora exponho suas afirmações sobre as quais fundou erroneamente toda a sua hipótese:
“Contrariamente ao que normalmente lemos em quase todas as publicações, os primeiros rom chegaram à Europa conhecendo suas orígens indianas. Há evidências disto em vários documentos dos séculos XV e XVI. É só depois que a mítica orígem egípcia se propôs contra as versões que sustentavam a proveniência indiana. Sendo mais prestigioso, seria eventualmente mais fácil para a própria integração na Europa. Pouco a pouco o mito da orígem egípcia foi aceito como autêntico”.
Antes de responder a esta afirmação, desejo mencionar outra declaração na qual o autor se contradiz:
“Entre todas as lendas, uma das mais difundidas é a da presumida orígem egípcia do povo rom, que eles mesmos começaram a promover no início do século XVI [...] Em ambos os casos, o prestígio do Egito com base na Bíblia e as histórias de perseguições sofridas pelos cristãos nesse país provavelmente alimentaram uma maior aceitação da lenda egípcia no lugar da orígem indiana, e provavelmente os ajudou a obter salvo-condutos e cartas de recomendação da parte de príncipes, reis e mesmo do papa “.
(O espaço entre colchetes será mencionado depois)
A primeira afirmação é inexata porque há documentos precedentes, inclusive do século XII d. c., nos quais os “egípcios” são mencionados em relação com os ciganos. Normalmente os rom foram chamados de distintas maneiras segundo a proveniência imediata, por exemplo na Europa ocidental os primeiros ciganos eram conhecidos como “bohêmios”, “húngaros”, etc. ( esta última denominação é ainda muito comum em muitos países), enquanto que os árabes os chamavam de “zott”, significando “jat”, porque provinham do vale do Indo. É certo que jamais foram chamados de “indianos” na Europa. Sem dúvida, tendo chegado à Europa pelo Iran e Armênia através do Bósforo, é improvável que tenham passado pelo Egito – existia na própria memória histórica o fato de que tenham estado antes no Egito, desde onde seu caminho errante começou, e assim declararam sua orígem mais antiga. Naquele tempo a India havia sido completamente esquecida. Antes de chegar a território bizantino, como o autor mesmo admite, os rom habitaram por longo tempo em países muçulmanos, e é certamente sabido que quem quer que tenha abraçado o islam dificilmente se converte ao cristianismo. Quando os ciganos chegaram a Bizâncio, já eram cristãos.
Agora se apresenta um enigma interessante: Como podiam os ciganos conhecer A BÍBLIA em território muçulmano? Isto é algo que o autor não pode justificar de maneira nenhuma, porque na realidade os rom não conheciam as Escrituras senão só por ouvido até tempos muito recentes. Seguramente na India, na Pérsia e em terras árabes onde viveram antes de chegar à Europa não poderiam ter ouvido jamais nenhum comentário sobre a Bíblia, nem tampouco em Bizâncio ou Europa, onde o acesso às Escrituras estava proibido à gente comum e não existiam versões em língua corrente. Não há possibilidade de que os ciganos conhecessem a Bíblia a não ser somente no caso que a história bíblica estivesse profundamente radicada em sua memória coletiva.
Esta memória se conservou durante o prolongado exílio na India de um modo tão forte que não adotaram nem sequer o menor elemento da cultura hindu nem de nenhuma outra existente na India. A maioria dos ciganos lê a Bíblia agora, e todos eles exclamam assombrados: “Todas as nossas leis e costumes estão escritos aqui!”- nenhum outro povo sobre a face da terra pode dizer o mesmo, exceto os judeus. Nenhum povo da India, nem de outro país.
(Este é o espaço entre colchetes da citação anterior)
” Em todo caso, em Bizâncio em época primitiva, os adivinhos ciganos eram chamados de Aigyptissai, “egípcios”, e o clero proibiu o povo de consultá-los para saber o futuro. Tomando como pretexto o livro de Ezequiel (30:23), os rom foram chamados de egípcios não só nos Balcãs mas também na Hungria, onde no passado referiam-se a eles como “povo do Faraó” (Faraonépek)e no ocidente, onde palavras provenientes do nome grego dado aos egípcios (Aigypt[an]oi, Gypsy e Gitano) se usam ainda em referência ao ramo atlântico do povo rom”.
Devia existir um motivo pelo qual em Bizâncio eram chamados de egípcios, motivo que o autor não explica. É que os ciganos sabiam que tinham estado no Egito em uma época remota do passado. Há outra palavra grega pela qual os ciganos eram conhecidos em Bizâncio: “athinganoi”, da qual derivam os termos cigány, tsigan, zíngaro, etc. Os bizantinos conheciam perfeitamente quem eram os athinganoi e identificaram com eles os rom. De fato, a pouca informação que temos sobre esse grupo coincide em muitos aspectos com a descrição dos ciganos.
Não há provas suficientes para afirmar que os athinganoi fossem rom, porém tampouco existem evidências do contrário. A única razão pela qual a possível identificação dos athinganoi com os ciganos foi descartada a priori é porque aqueles são mencionados no início do século VI d. c., época na qual, segundo os empedernidos sustentadores da teoria da orígem indiana, os ciganos não deviam estar na Anatólia. Os athinganoi eram chamados assim em relação a seus conceitos e leis de purificação ritual, considerando impuro todo contato com outro povo, muito similares às leis ciganas para os “payos” ou “gadjôs” (não ciganos).
Praticavam a magia, a adivinhação, o encantamento de serpentes, etc, e suas crenças eram uma espécie de judaísmo “reformado” mesclado com cristianismo (ou com mazdeísmo/ zoroastrismo); observavam o Shabat e outros preceitos hebraicos, criam na Unidade de Deus, porém não praticavam a circuncisão e se batizavam (prática que não é exclusivamente cristã, senão também comum entre os adoradores do fogo). Quanto aos athinganoi, a Enciclopédia Judaica diz: “podem ser considerados judeus”.
Outro fator significativo é que os ciganos relacionam sua condição de constante movimento com o faraó, uma coisa que pertence exclusivamente ao povo hebreu. Os documentos mais antigos sobre a chegada dos rom à Europa constatam sua declaração de haverem sido escravos do faraó no Egito, da qual surgem duas possíveis deduções: ou era parte de sua memória histórica ou era algo que inventaram para ganhar o favor das pessoas – a segunda possibilidade é completamente improvável, posto que esta os identificaria com um só povo, exatamente o mais odiado na Europa e não era certamente a identidade mais conveniente para eleger.
“Observando restos de precedentes migrações egípcias para a Ásia Menor e para os Balcãs, pensaram que seria proveitoso para eles fazer-se passar por cristãos do Egito, perseguidos pelos muçulmanos ou condenados a perpétuo vagar para expiar sua apostasia “.
Esta foi uma sucessiva “correção” que inventaram depois de haver-se dado conta de que sua versão original da escravidão no Egito sob o faraó era auto-destrutiva porque eram etiquetados como judeus. Esta segunda versão é a que o autor considera ” a mais antiga menção desta lenda, no século XVI d. c. “, porém a história original é muito mais antiga. Os ciganos nunca disseram que provinham da India até que alguns gadjôs no século XX lhes dissessem que haviam estudado muito e que a “ciência” estabelece que eles são indianos.
A convicção do autor de que a pátria original dos rom era a cidade de Kannauj se baseia simplesmente sobre uma conjectura, reunindo elementos débeis que não provam nada e são facilmente desmentidos pelas evidências que exporei mais adiante. Agora leiamos sua hipótese:
“…uma passagem do Kitab al-Yamini (Livro de Yamin), do cronista árabe Abu Nasr Al- ‘Utbi (961-1040), se refere ao ataque do sultão Mahmud de Ghazni à cidade imperial de Kannauj, que concluiu com a pilhagem e a destruição da mesma e a deportação de seus habitantes até o Afganistão em dezembro de 1018…Sem dúvida, com base em crônicas incompletas que mencionam só algumas incursões na India norte-ocidental, não tem sido capazes de descrever inteiramente o mecanismo de tal êxodo…descreve uma invasão no inverno de 1018-1019, que chegou muito mais longe para o leste, mais além de Mathuta, até a prestigiosa cidade de Kannauj, 50 milhas a noroeste de Kanpur…No início do século XI, Kannauj (a Kanakubja do Mahabharata e do Ramayana), que se extendia por milhas ao longo do Ganges, era um importante centro cultural e econômico da India setentrional; não só porque os mais instruídos brâmanes da India afirmam ser de Kannauj (como ainda hoje), senão também porque era uma cidade que havia conseguido um alto nível de civilização em termos que hoje definiríamos como democracia, tolerância, direitos humanos, pacifismo e inclusive ecumenismo. Sem dúvida, no inverno de 1018-19, uma força invasora proveniente de Ghazni (atual Afeganistão) capturou os habitantes de Kannauj e os vendeu como escravos.
Não foi a primeira incursão do sultão, porém as anteriores haviam chegado só até o Punjab e Rajastão. Esta vez chegou até Kannauj, uma cidade com mais de 50.000 habitantes e em 20 de dezembro de 1018 capturou a população inteira, “ricos e pobres, claros e obscuros [...] a maioria deles eram “nobres, artistas e artesãos”, para vendê-los, “famílias inteiras”, em Ghazni e Kabul (segundo o texto de Al-’Utbi). Logo, segundo o mesmo texto, Jorasán e Iraque estavam “cheios desta gente” .
O que é que nos leva a pensar que a orígem dos rom tenha que ver com esta deportação?”
Aqui o autor demonstra que não lhe importam minimamente os elementos culturais do povo rom, mas que está somente interessado em encontrar uma possível orígem na India e em nenhuma outra parte. Por conseguinte, muitos detalhes importantes tem sido completamente ignorados.
Aqui menciono alguns: – Naquele tempo, a cidade de Kannauj era governada pela dinastia Pratihara, que não eram hindus e sim de etnia guijar, quer dizer, jázaros. Segundo as regras linguísticas, os termos hindus “gujjar” e “gujrati” derivam do nome original dos jázaros (khazar) através das regras fonéticas comuns destas línguas: os dois idiomas hindus, não tendo os fonemas “kh” (“j”) nem “z”, os transcrevem como “g” e “j” (“y”).
Portanto, se os ciganos eram os habitantes de Kannauj não eram hindus e sim uma etnia muito próxima aos húngaros, aos búlgaros, a uma pequena parte dos judeus ashkenazim, aos bashkires, aos chuvashes e a alguns povos do Cáucaso e do vale do Volga… A designação “húngaros” que lhes é normalmente atribuida em muitos países ocidentais não seria tão errada – mais exata que a definição de “indianos” ou “hindus”, em todo caso.
Se fora certo que os ciganos estiveram sempre na India até o século XI e.c. como afirma o autor, haveriam certamente praticado a religião mais difundida nessa terra, ou de todo modo teriam absorvido muitos elementos do bramanismo, especialmente se ser um braman de Kannauj era um grande privilégio que outorgava tanto prestígio. Sem dúvida, não se encontra o menor vestígio de tradição bramânica na cultura e espiritualidade romaní, ao contrário, não há nada mais distante do “romaimôs” (ciganidade) que o hinduísmo, o jainismo, o sikhismo ou qualquer outro “ismo” de orígem indiana.
· O sultão de Ghazni era indubitavelmente muçulmano. O povo que ele deportou se estabeleceu no Afeganistão, Jorasan e outras regiões do Iran. Isto não haveria favorecido a adoção de elementos culturais do mazdeísmo – (zoroastrismo, que são muito evidentes na cultura romaní) mas ao contrário, teria contribuido a evitá-los porque os adoradores do fogo haviam sido praticamente aniquilados pelo islam – certamente um povo no exílio não teria adotado uma religião proibida para serem exterminados definitivamente!
Portanto, o povo rom esteve em terras iranianas antes de chegar à India e sua cultura estava já bem definida quando chegaram ali. Existe um só povo que tem exatamente as mesmas características: os israelitas do Reino de Samaria exilados na Média, que conservaram sua herança Mosaica porém também adotaram práticas dos magos (classe social dedicada ao culto do fogo na Pérsia), e só uma coisa não conservaram: seu idioma original (como tampouco os judeus do reino de Jerusalém, já que o hebraico não se falou mais até a fundação do Estado de Israel em 1948 e.c.). Os judeus da India falam línguas indianas, porém são judeus e não indo-europeus.
Tendo assinalados alguns dos pontos débeis sobre os quais se funda a teoria de Kannauj, é justo considerar as razões que expõe o autor:
“Principalmente os seguintes pontos:
·O detalhe “claros e obscuros” explica a diversidade de cor de pele que encontramos nos distintos grupos rom, porque a população original era mesclada. Havia provavelmente muitos rajputs em Kannauj. Esta gente não era aparentada com a população nativa, porém foram elevados à casta kshatrya por méritos. Portanto, eles devem ser a porção denominada “obscuros” da população”.
Esta afirmação é demasiado simplista para ser de um estudioso! Está bem estabelecido o fato de que os ciganos se mesclaram com várias populações durante suas longas travessias. Exatamente como os judeus. Basta visitar Israel para notar que há judeus negros, judeus loiros, judeus altos, judeus baixos, judeus com aspecto de indianos, de chineses, de europeus, etc. A crônica mencionada pelo autor demonstra que a população de Kannauj não era homogênea, não pertencia a uma só etnia. De fato, havia rajputs, gujratis e muitos outros, se a cidade era tão cosmopolita como parece. Isto não prova que os ciganos tenham sido a população de Kannauj.
“·O fato que os escravos capturados provinham de todo tipo de classes sociais, incluindo nobres, explica como foi tão fácil para eles inserirem-se entre a gente importante e influente como reis, imperadores, e papas quando chegaram à Europa. Isto se deu porque entre os ciganos havia descendentes dos “nobres” de Kannauj. O indianólogo francês Louis Frédéric confirmou que a população de Kannauj consistia maiormente de “nobres”, artistas artesãos e guerreiros.”
Isto é pura especulação. Os ciganos normalmente se davam a si mesmos títulos nobiliárquicos ou de prestígio com o objetivo de obter favores, salvo-condutos, etc. Isto foi praticado até há um século atrás pelos rom que chegaram à América do Sul, os quais se proclamavam ” príncipes do Egito” ou nobres de algum país exótico.
As autoridades começaram a suspeitar quando notaram que havia tantos príncipes de países estranhos. Há um detalhe importante que o autor não levou em consideração: Ele afirmou que Kannauj era um prestigiado centro bramânico. Como é possível que não existia uma casta sacerdotal no povo rom? O que aconteceu com os presumidos “ciganos brâmanes”? Todos os povos hindus tem uma casta sacerdotal, e muitos outros povos as tinham, incluindo os medos e persas (os magos) e os semitas, exceto um: os israelitas do Reino de Samaria – depois que se separaram de Judá, perderam a tribo de Levi e como consequência, nenhuma tribo foi dedicada ao sacerdócio.
Havia nobres, artistas, artesãos, guerreiros e todo tipo de categorias sociais entre os norte-israelitas, porém não sacerdotes. O que é também importante notar é que os nobres israelitas eram muito apreciados nas cortes dos reis pagãos, e como tinham um dom profético particular, muitos israelitas entraram na classe dos magos da Pérsia, assim como outros se dedicaram à adivinhação, à alquimia e coisas similares. Sem esquecer que a arte da magia mais comum entre os ciganos é o “tarô”, uma invenção judaica.
“·Esta diversidade social da população original deportada pode ter contribuido para a sobrevivência da língua romaní, quase mil anos depois do êxodo. Como mostra a sócio-linguística, quanto maior é o grau de heterogeneidade social em uma população deportada, mais forte e largamente poderá continuar a transmitir o próprio idioma .”
Esta afirmação não prova nada e é muito discutível, porque há muitos exemplos do contrário: a história prova que os hebreus foram levados ao exílio em massa, incluindo todas as categorias sociais, sem dúvida perderam o próprio idioma num tempo relativamente breve – o fato singular é que conservaram os distintos idiomas que adotaram na diáspora em lugar do próprio idioma original, por exemplo, os judeus mizraji ainda falam o assírio-aramaico, os sefaraditas ainda conservam o ladino (espanhol medieval) seis séculos depois de terem sido expulsos da Espanha, os ashkenazim falam o yiddisch, e os ciganos falam o romaní, a língua que adotaram no exílio.
Outros exemplos de povos deportados ou emigrados de todo extrato social que perderam o próprio idioma em pouco tempo são os africanos da América, do Caribe e do Brasil, a segunda e terceira geração de italianos na América, Argentina, Uruguai, Brasil, etc., a segunda e terceira geração de árabes nesses mesmos países, etc.
Outras comunidades conservam uma maior relação com o próprio o idioma, como os armênios, ciganos ou judeus. Não existe um parâmetro universal como o autor afirma.
“·A unidade geográfica do lugar de onde os ancestrais dos ciganos partiram é importante para a coerência do elemento indiano na língua romaní, porque as principais diferenças entre os diversos dialetos não se encontarm no componente indiano, mas no vocabulário adquirido em solo europeu .”
Este fator não determina que a orígem tenha sido na área da India. É certo que o idioma romaní se formou inicialmente em um contexto indo-europeu, porém as mesmas palavras “indianas” são comuns a outros idiomas que existiram fora do sub-continente, quer dizer, na Mesopotâmia. As línguas hurríticas constituem a base mais factível da qual todas as línguas indianas surgiram (basta analisar os documentos do reino de Mitanni para compreender que o sânscrito nasceu nessa região). As línguas de raiz sânscrita já se falavam em uma vasta área do Oriente Médio, incluindo Canaã: os horeus da Bíblia (hurritas da história) habitavam no Negev, os jebuseus e heveus, duas tribos hurritas, na Judéia e Galiléia. Os norte-israelitas foram inicialmente estabelecidos pelos assírios em “Hala, Havur, Gozán e nas cidades dos medos” (II Reis,17:6) – esta é exatamente a terra dos hurritas.
Depois da queda de Nínive sob a Babilônia, a maioria dos hurritas e parte dos norte-israelitas em exílio emigraram para leste e fundaram o reino de Khwarezm (Jorazmia), desde o qual sucessivamente colonizaram o vale do Indo e o alto vale do Ganges. É interessante notar que algumas palavras da língua romaní pertencem ao hebreu ou arameu antigos, palavras que não poderiam ter sido adquiridas num período mais tardio em sua passagem através do Oriente Médio em direção à Europa oriental, senão somente numa época muito anterior da história, antes de sua chegada à India. Existe ainda um termo muito importante e que os teóricos que sustentam a orígem indiana não levam em consideração: a denominação que os ciganos dão a si mesmos, “rom”.
Não existe nenhuma menção de nenhum povo rom em nenhum documento sânscrito. A palavra “rom” significa “homem” em idioma cigano, e há só uma referência a tal termo com o mesmo significado: em egípcio antigo, rom quer dizer homem. A Bíblia confirma que os antigos norte-israelitas tinham algumas diferenças dialetais com os judeus, e que eram também mais apegados à cultura egípcia assim como ao ambiente cananeu. A religião norte-israelita depois da separação de Judá era de orígem egípcia: o culto do bezerro. Por conseguinte, não é difícil que a palavra egípcia que significava homem tenha sido usada ainda nos tempos do exílio em Hanigalbat e Arrapkha (territórios onde foram deportados), e após. Porém, como a orígem não deve ser estabelecida através do idioma, não me extenderei na exposição deste argumento.
“·Este argumento contrasta definitivamente a teoria que sustenta que os rom provêm “de uma simples conglomeração de tribos dom” (ou de qualquer outro grupo). É útil mencionar aqui que Sampson havia notado que os rom “entraram na Pérsia como um único grupo, falando um idioma comum” .”
Concordo plenamente com este conceito.
Porém é necessário ressaltar que a “teoria Dom” foi “a oficial” entre os estudiosos até há pouco tempo, e assim como esta foi desacreditada, qualquer outra que também insista com a orígem indiana se baseia em falsas premissas que conduzem a uma investigação contraditória sem fim.
“· Provavelmente havia um grande número de artistas dhomba em Kannauj, como em todas as cidades civilizadas naqueles tempos. Como maior centro urbano intelectual e espiritual na India setentrional, indubitavelmente Kannauj atraía numerosos artistas, entre os quais muitos dhomba (quiçá, mesmo sem absoluta certeza, os ancestrais dos atuais dombs). Então, quando a população de Kannauj foi dispersa no Jorasán e áreas circunstantes, os artistas dhomba capturaram a imaginação da população local mais que os nobres e artesãos, o que explicaria a extensão do título dhomba em referência a todo o grupo de estrangeiros de Kannauj. Estes poderiam ter adotado este nome para si mesmos como o próprio gentílico (em oposição à designação mais generalizada de Sind[h]~, persa Hind~, grego jônico Indh~ com o significado de “Indiano” – do qual provem o nome “sinto”, apesar da paradoxal evolução de ~nd~ a ~nt~, que deve ser postulada neste caso. De fato, em alguns dialetos romanís, principalmente na Hungria, Áustria e Eslovênia, parece apresentar-se esta evolução de ~nd~ a ~nt~).”
Visto que o autor não encontra uma explicação verossímil para o termo “rom”, recorre a subterfúgios especulativos que são absolutamente improváveis. Isto se manifesta em suas próprias expressões: “provavelmente”, “quiçá”, “poderia”, “parece”, etc… Toda a estrutura sobre a qual se funda esta teoria fracassa pela impossibilidade de explicar os caracteres culturais e espirituais próprios dos povos rom e sintos, e essencialmente, a afirmação de que”poderiam ter adotado este nome (dhom) para si mesmos como próprio gentílico” se revela completamente errada. O autor se contradiz a si mesmo, porque anteriormente havia declarado que “muitos kannaujis eram nobres”, e logo supõe que estes mesmos “nobres” tenham adotado para si mesmos o nome de uma “casta inferior” como eram os artistas Dhomba.
“·O fato de que a população proto-romaní provenha de uma área urbana e que eram maiormente nobres, artistas e artesãos pode quiçá ser a razão pela qual pouquíssimos ciganos se dedicam à agricultura até hoje. Ainda que “o solo da região fosse rico e fértil, os cultivos abundantes e o clima cálido”, o peregrino chinês Xuán Zàng (latinizado como Hsuan Tsang) notou que ” poucos dos habitantes da região se ocupavam da agricultura”. Na realidade, a terra era cultivada maiormente para a produção de flores para fabricar perfumes desde a antiguidade (principalmente com propósitos religiosos) .”
Esta afirmação também não prova nada, mas confirma ainda mais a hipótese de que realmente não eram de orígem indiana: uma comparação cuidadosa com o povo judeu leva à mesma conclusão, porque os israelitas de todas as classes sociais foram deportados de sua própria terra, porém os judeus nunca se dedicaram à agricultura e viveram sempre em cidades onde quer que estivessem na diáspora. Os judeus se fizeram agricultores só recentemente, no Estado de Israel, porque era necessário para o desenvolvimento da Nação. Há suficientes evidências para provar que quando os ciganos chegaram à India já eram um povo com as mesmas características que ainda hoje tem, porque tanto os norte-assírios como os assírios-caldeus (babilônicos) praticaram a deportação seletiva de ambos os Reinos de Israel e Judá, como lemos: “E (o rei de Babilônia) levou em cativeiro a toda Jerusalém, a todos os príncipes, e a todos os homens valentes, dez mil cativos, e a todos os artesãos e guerreiros, não ficou ninguém, exceto os pobres do povo da terra. Assim mesmo levou cativos a Babilônia a Yehoyakin, a mãe do rei, as mulheres do rei, a seus oficiais e aos poderosos do país; cativos os levou de Jerusalém a Babilônia. A todos os homens de guerra..” (II Reis, 24:14-16); “Mas Nabuzaradán, general do exército, deixou os pobres da terra para que lavrassem as vinhas e a terra” (II Reis, 25:12). A mesma coisa haviam feito 120 anos antes os reis assírios no Reino de Israel, e os camponeses que eles deixaram são os atuais samaritanos, enquanto que a grande maioria dos israelitas hoje se consideram “perdidos”, e tem-se verificado que a maior parte deles emigrou para a India.
“·Parece que um pequeno grupo fugiu da invasão navegando no Ganges e chegando até Benares, de onde devido à hostilidade da população indígena, se mudaram e se assentaram na área de Ranchi. Esta gente fala a língua sadri, um idioma indiano especificamente usado para a comunicação inter-tribal. É digno mencionar que o sadri parece ser a língua indiana que permite uma melhor comunicação entre seus falantes e o romanês.”
Novamente o autor especula teorizando uma relação entre uma tribo indiana e os ciganos somente através de uma aparente semelhança linguística, porém nada que tenha que ver com a cultura e a espiritualidade romaní, nem seus costumes ou tradições, e nenhuma prova histórica. Os idiomas são um ponto de referência relativo e muitas vezes enganosos, porque podem ser adotados por povos completamente diversos da etnia original. Provavelmente o autor não conhece alguns casos enigmáticos como o seguinte: há uma província na Argentina, Santiago del Estero, onde ainda se fala uma língua indígena pré-colombiana: o quíchua, um dialeto do idioma dos incas. O fato curioso é que quase todos os que a falam não são indígenas, mas sírios-libaneses que se estabeleceram nessa província há apenas um século atrás! Num suposto evento desastroso do futuro no qual se percam todos os documentos referentes à imigração árabe, os estudiosos do século XXV seguramente especulariam afirmando que esses árabes são os últimos autênticos sobreviventes da antiga civilização inca…O que não serão capazes de explicar é por que esses “incas” tinham tradições ortodoxas num país católico romano, ainda que ambas as tradições sejam muito mais próximas entre si do que a cultura cigana às da India.
Outro exemplo similar nos dão os ciganos mesmos: na Italia norte- ocidental, o dialeto piemontês se fala cada vez menos entre os gadjôs, só as pessoas mais velhas ainda o conservam e já não é a língua principal das crianças piemontesas, que falam italiano. A conservação do dialeto depende exclusivamente dos sintos piemonteses, que o adotaram como a própria língua “romaní” e serão provavelmente os únicos que falarão esse dialeto ao final do presente século. Em uma situação imaginária como a descrita acima, os estudiosos do futuro chegarão à conclusão de que os autênticos piemonteses são os ciganos sintos dessa região…
“·Ademais, os falantes do sadri tem o costume, durante cerimônias especiais, de verter um pouco de bebida, dizendo: ” por nossos irmãos que o vento frio levou para além das montanhas” (comunicação pessoal por Rézmuves Melinda). Estes “irmãos” poderiam ser os prisioneiros de Mahmud. Porém é necessário um estudo mais intensivo sobre o grupo de falantes do sadri.”
Outra conjectura especulativa baseada sobre dados superficiais. As deportações eram frequentes naqueles tempos, e afirmar que se referem aos ciganos é mais que atrevimento. O que é mais significativo desta tradição sadri é que o “vento frio para além das montanhas” é dificilmente aplicável a uma deportação para oeste, para além dos rios, supostamente por um vento cálido; é mais bem coerente com uma deportação para o norte, para além do Himalaia, de onde sopra o vento frio.
“·A deusa protetora de Kannauj era Kali, uma divindade que é muito popular entre os ciganos.”
Esta é realmente uma estranha afirmação para alguém que se considera um estudioso da cultura romaní, porque efetivamente os ciganos não tem a menor idéia da existência da deusa hindú Kali, e não tem nenhuma “popularidade”. Não sei se o autor inseriu esta falsa afirmação com o único propósito de reforçar sua teoria, porém prefiro crer em sua boa fé. Não há nenhum elemento em minha família que possa levar a pensar que tal tradição tenha existido algum dia, nem tampouco existe entre as numerosas famílias de rom e sintos que conheci em todo o mundo, desde a Rússia até a Espanha, da Suécia à Itália, dos Estados Unidos à Terra do Fogo (a terra mais ao sul no mundo), de todos os ramos ciganos, dos kalderash, lovaras, churaras, aos calé espanhóis, dos sintos estraxaria e eftavagaria aos kalé finlandeses, desde os matchuaia aos horahanés sulamericanos. Desafio a quem quiser perguntar a um cigano quem pensa que é Kali – sua resposta será: “uma mulher negra”, porque “kali” é o gênero feminino de “kaló”, que significa negro (não porque eles saibam que o ídolo hindu é também negro). Conheço a maioria das famílias ciganas mais distintas no mundo, e sugiro ao autor visitar os rom da Argentina, onde por algum motivo a cultura cigana kalderash (russo-danubiana) se conserva de modo mais genuíno que em qualquer outro país .
A devoção de alguns grupos para “Sara kali” na Camargue (sul da França) tem que ver com a tradição católica romana, não com o hinduísmo. De fato, há “vírgens negras” em quase todos os países católicos (inclusive na Polônia). Sara “kali” se chama assim porque é negra, e por casualidade ou não, tem o mesmo nome que a mãe do povo hebreu, o que pode ser a razão pela qual os ciganos católicos a elegeram como a própria santa.
“·Ademais, o antigo nome da cidade era Kanakubja (ou Kanogyza em textos gregos), que significava “molestada, vírgem maculada”. A orígem deste surpreendente nome se encontra numa passagem do Ramajan de Valmiki: Kusmabha fundou uma cidade chamada Mahodaja (Grande Prosperidade); ele tinha cem formosas filhas e um dia, quando brincavam no jardim real, Váju, deus do vento, se enamorou delas e quis casar-se com elas. Desgraçadamente foi rechaçado e as molestou a todas, o que deu o nome à cidade. Em outra versão, Kana Kubja era o sobrenome de uma devota molestada de Krishna, a qual o deus lhe deu um corpo restabelecido e forte como recompensa pela unção de seus pés. De fato, “vírgem molestada” era um dos títulos de Durga, a deusa guerreira, outra forma de Kali. Em outras palavras, podemos fazer uma identificação: kana kubja (“vírgem molestada”) = Durga = Kali. Rajko Djuric mencionou algumas similaridades com o culto romaní de Bibia ou Kali Bibi e o mito hindu de Kali.”
Outra argumentação puramente especulativa sem qualquer apoio real. Histórias similares são muito comuns no Oriente Médio (recomendo ao autor ler “As 1001 noites” para uma melhor documentação). É perfeitamente sabido que os ciganos usualmente adotam lendas dos países onde tem sido hóspedes e as adaptam segundo sua própria fantasia. É também um fato que a maioria das lendas e fábulas etiquetadas como “ciganas” são por sua vez classificadas como “judias”, e ambas se consideram a fonte original. Há também algumas lendas persas, armênias e árabes na literatura oral romaní.
Pergunto-me por que o autor não menciona a popularidade que tem o Profeta Elias em muitos grupos Rom…quiçá porque não pode explicar a orígem indiana de tal tradição. Elias era um Profeta do Reino de Samaria.
“·O tempo que os rom passaram em Jorasán (um ou mais séculos) explicaria os numerosos temas persas integrados ao vocabulário romaní (uns 70 – além de 900 temas indianos e 220 gregos), porque o Jorasán era uma região de língua persa.”
O mesmo parâmetro é válido para o exílio na India. Assim como tais palavras não provam uma orígem persa, tampouco o vocabulário indiano prova uma orígem indiana, porém só uma longa estadia. A exposição seguinte do autor está orientada puramente no aspecto linguístico, e ainda que seja uma argumentação coerente, não prova absolutamente a orígem em Kannauj, como veremos:
“Outro elemento surpreendente é a coincidência de três caracteres linguísticos que conectam o romanês com as línguas da área de Kannauj, ou só principalmente com estas, quer dizer:
- entre todos os idiomas indianos modernos, só o braj (chamado também de braj bhaka, um idioma falado por uns 15 milhões de pessoas na região a oeste de Kannauj) e o romanês distinguem dois gêneros na terceira pessoa do singular dos pronomes pessoais: yo ou vo em braj (provavelmente ou em braj antigo) e ov, vov ou yov, “ele” em romanês para o masculino. E ya ou va em braj e oy, voy ou yoy, “ela” para o feminino, enquanto que os outros idiomas indianos tem uma forma única, usualmente yé, vé, “ele, ela” para ambos os gêneros. Estes pronomes podem ouvir-se todos os dias nas ruas de Kannauj.
- entre todos os idiomas indianos modernos, só os dialetos da área de Kannauj, alguns braj e nepalês (O Nepal está a sómente sessenta milhas de Kannauj) tem a terminação dos substantivos e adjetivos masculinos en ~o (ou ~au = ~o) idênticos ao romanês, que é também ~o: purano “antigo, velho” (em outros idiomas taruna, sinto tarno, romaní terno). De fato, a evolução dialetal de ~a a ~o depende de regras complicadas que devem ser ainda definidas.
- E por último porém não menos importante, entre todos os idiomas indianos modernos, só o awadi (uma língua falada por uns 20 milhões de pessoas em uma vasta área a leste de Kannauj) apresenta como o romanês uma forma alternativa longa para a posposição possessiva. Não há só um estrito paralelo no próprio fenômeno mas também as posposições são idênticas em sua forma: agregado à forma curta (~ka, ~ki, ~ke) que é comum a todos os idiomas indianos, o awadi tem uma variante longa ~kar(a), ~keri, ~kere, exatamente como muitos dialetos arcaicos do romanês, como os da Macedônia, Bulgária, (~qoro, ~qiri e ~qere), Eslováquia e Russia (~qero, ~qeri, ~qere), forma que foi reduzida nos dialetos sintos ( ~qro, ~qri, ~qre). Ademais, uma missão recente em algumas aldeias da zona de Kannauj descobriu indícios de um idioma inexplorado similar ao romanês (tikni “pequeno”, day “mãe” [hindi "parteira"], ghoro “jarra”, larika “jovem” [hindi larhka] etc…). Isto justifica a afirmação do professor Ian Hancock que “o idioma mais próximo ao romanês é o hindi ocidental”, comumente chamado braj, que divide a maioria de suas características com o kannauji moderno.”
Como eu disse anteriormente, o argumento é interessante, porém não prova nada, pelos seguintes motivos:
·Todas as aclarações que assinalou o autor demonstram que o idioma romaní é gramaticalmente mais complexo que a maioria das línguas faladas na India, o que significa que quando os ciganos estavam na India, muito provavelmente existia um idioma muito mais homogêneo – ainda que não evoluído – para as várias línguas que por lógica linguística adotam formas gramaticais mais simples. Isto sucedeu, por exemplo, com o latim, que um tempo era falado em uma vasta área da Europa e que evoluiu para o italiano, o espanhol, o português, o catalão, o ocitano, o romeno, etc, todos os quais tem uma gramática mais simples.
·Por conseguinte, como foi indicado, todas as línguas hindi ocidentais foram um dia um único idioma, do qual o romanês se separou num período inicial de sua formação. Esta etapa primitiva pode perfeitamente implicar no período hurrita, antes da estadia na India, porém é só uma suposição. O que se deduz em todo caso é que toda a família hindi ocidental, quer dizer, os idiomas do vale do Indo e do Rajastan, são descendentes diretos do suposto idioma “kannauji”, o que implica que o romanês não deva necessariamente ter que ver com a zona de Kannauj e possa perfeitamente ter relação com toda a região desde o Kashmir até Gujarat, desde o Sindh até Uttar Pradesh.
·É também certo que toda a região mencionada acima, da qual se supõe provem o romanês, não estava então relacionada com os povos indianos mas com tribos escita-sármatas estabelecidas no vale do Indo e em Sakastan, incluindo Kannauj (que era governada por uma dinastia gujjar) e que tem algo em comum: todas chegaram ali vindas do ocidente! Há evidências irrefutáveis de que os povos da região do vale do Indo eram “sakas” e não arianos.
·O fato de que vestígios do idioma antigo ainda existem na zona de Kannauj não implica absolutamenteque essa seja a terra de orígem, e na história linguística há muitos exemplos:
- no passado o celta era falado em quase toda a Europa, hoje sobrevive em algumas regiões das Ilhas Britânicas e na Bretanha, que não são a pátria original dos celtas.
- tomando novamente como exemplo o latim, o idioma falado mais próximo hoje não é o italiano, mas o romeno, que geograficamente está muito longe do lugar onde o latim nasceu.
- por um tempo em toda a Ucrânia se falava o húngaro e línguas aparentadas, por quase quatro séculos (entre Atila e Árpád), e hoje não há vestígios do húngaro na Ucrânia, mas se fala na Hungria, Transilvânia e áreas circunstantes.
- da mesma maneira, o turco não foi falado na Ásia Menor até fins da Idade Média, e não existe mais em sua pátria de orígem.
- acertou-se que o basco (euskara) se originou no Cáucaso, o extremo oposto da Europa de onde o basco se fala hoje, sem deixar nenhum indício intermediário na longa viagem que os antigos bascos realizaram, e não se fala em nenhuma zona do Cáucaso, onde há sómente línguas aparentadas.
- o único povo que pode ler sem dificuldades as sagas nórdicas no idioma em que foram escritas são os islandeses e feroeses, enquanto que os suecos, noruegueses e dinamarqueses, cujos ancestrais as escreveram, dificilmente podem fazê-lo.
- foi possível decifrar a antiga língua dos sumérios só com a ajuda do húngaro moderno, o que demonstra o quanto é impreciso relacionar uma língua com a área geográfica onde é falada no presente.
Há muitos outros exemplos como os citados, porém estes devem ser suficientes. Ainda há outro argumento que o autor propõe:
“No que concerne à cronologia do êxodo, esta coincide com o período de Mahmud, sendo claro que não pode ter ocorrido antes do século X d. c. porque o romanês apresenta duas características gramaticais importantes que se formaram até o final do primeiro milênio, quer dizer:
a) a formação do sistema posposicional no lugar da antiga e média flexão indiana;
b) a perda do gênero neutro com a assinalação destes substantivos ao masculino ou ao feminino. Como quase todos estes substantivos foram assinalados em romanês aos mesmos gêneros que no hindi (Hancock, 2001:10), se pode deduzir que este fenômeno se verificou quando o romanês ainda era falado em solo indiano. Portanto, o romanês se separou de outras línguas indianas só depois destas evoluções .”
O que o autor não leva em consideração é o seguinte: não havia um idioma indiano unificado, mas existia um caráter distintivo entre a região escita-sármata e a região ariana. Ademais:
a) a posposição é uma característica típica das línguas escito-sarmáticas;
b) só os gêneros masculino e feminino existiam na variante do “antigo indiano” falado no vale do Indo, antes que os brâmanes conseguissem unificar toda a India ou a maior parte dela, portanto, o idioma também foi unificado e logicamente ambas as partes contribuiram. Porém a forma mais simplificada prevaleceu, pelo que o gênero neutro desapareceu da variante ariana. Não era necessário que os ciganos estivessem ainda na India quando o idioma foi unificado.
O resto do estudo escrito pelo autor da “teoria de Kannauj” não tem que ver com a presumida orígem do povo rom mas com alguns dados históricos sobre Kannauj que não são importantes para esta investigação, portanto eu termino aqui os comentários sobre sua hipótese e começo a expor outros aspectos da cultura romaní que são certamente mais importantes que o idioma e demonstram que os ciganos não tem nada em comum com nenhum povo da India, nem no presente, nem no passado. Os aspectos que apresentarei aqui não podem ser explicados pelos sustentadores da teoria da orígem indiana.
As características culturais e espirituais do povo rom podem classificar-se em duas categorias principais:
1)Crenças, leis, preceitos e tradições relacionadas com o hebraísmo, muito importantes no interior da comunidade romaní;
2) Práticas relacionadas com o culto do fogo e algumas crenças deste tipo, maiormente usadas nas relações com o ambiente não-cigano.
Antes de expor estes aspectos, convém dar um breve resumo histórico de modo que o leitor possa entender melhor como e por que os ciganos estavam na India em um determinado período e por que não podem ser originários dessa terra. A “pré-história” romaní começou na Mesopotâmia, no baixo vale do Eufrates, sua “proto-história”, no baixo vale do Nilo e em Canaã…
Durante a expansão semítica no Oriente Médio, uma família semita se transladou de Sumer a Canaã e depois ao Egito, onde cresceu em número e importância dentro da sociedade egípcia, tanto que chegaram a ser odiados e submetidos a escravidão até que sua libertação chegou e abandonaram o país para se radicar em Canaã. Naquele tempo eram constituidos por treze tribos, uma das quais dedicada ao sacerdócio, e as outras doze eram o “povo”, chamado Israel. Aquela nação tinha uma particularidade que a distinguia de todas as outras nações daquele tempo: criam em Um só Deus. Receberam um estatuto de leis, preceitos e artigos de fé que deviam observar e estabeleciam sua separação de toda outra gente, leis que concerniam a pureza e impureza ritual e outras características que faziam deles um povo particular, distinto de todo outro povo no mundo. Tinham uma memória comum, que haviam sido exilados no Egito, e uma herança comum, o conjunto de preceitos que estabelecia que se não os observassem, seu destino seria novamente o exílio, não no Egito, mas em toda a terra.
Sem dúvida, apenas conquistaram sua terra, as diferenças entre a Tribo mais notável e as demais começaram a ser mais evidentes, até que o Reino se dividiu em dois: as Tribos do norte eram mais apegadas a seu passado egípcio e como sinal de sua separação elegeram um ídolo egípcio em forma de bezerro para representar o Deus Único (às vezes também adoraram divindades inferiores), e rechaçaram a Tribo sacerdotal, que se uniu ao Reino de Judá no sul. O reino setentrional de Israel permitiu práticas proibidas relacionadas com a magia, adivinhação e predição da sorte. No ano 722 a.e.c., os assírios invadiram o país e levaram cativa a quase toda a população, deixando só os camponeses, e levaram os israelitas ao exílio em outra terra que haviam conquistado: o reino de Hanigalbat-Mitanni, onde se falava um idioma muito similar ao romanês e cujas divindades principais eram Indra e Varuna. Esse país não era a India, mas ficava na alta Mesopotâmia. Os nativos dali são conhecidos na história como hurritas. Farei aqui um parêntese para dar uma breve descrição dessa nação antes de continuar com a história do nosso povo:
Os hurritas, ancestrais dos povos da India
A evidência mais antiga da existência de uma língua indiana não se encontra na India mas na bacia do Eufrates e do Tigre, desde o século XVI a.e.c. Ali estava o império de Mitanni, que se extendia desde a costa do Mediterrâneo até os montes Zagros, em conflito com os hititas no oeste e com os egípcios no sudoeste pelo controle do rio Eufrates. O idioma de Mitanni era hurrita; há uma clara evidência do vocabulário sânscrito nos documentos de Mitanni:
ila-ni mi-it-ra as’-s’i-il ila-ni u-ru wa.na-as’s'i-el (en otro texto a.ru-na-as’.s’i-il) in.dar (otro texto: in-da.ra) ila-ni na-s’a-at-ti-ya-an-na (cf. Winckler, Mitteilungen der Deutschen Orient-Gesellschaft No. 35, 1907, p. 51, s. Boghazkoi-Studien VIII, Leipzig 1923, pp. 32 f., 54 f.)
Os quatros deuses mencionados neste tratado são os mesmos que encontramos no Rigveda (RV. 10.125.1). P. Thieme demonstrou que os deuses dos tratados de Mitanni são especificamente védicos. Varun.a e Mitra, Indra e N-satyau, com estes nomes se encontram somente nos escritos védicos. Porém, estão nos documentos hurríticos!
No tratado entre os hititas e Mitanni, os reis de Mitanni juraram por: Mi-it-ra (índico Mitra), Aru-na (Varun.a), In-da-ra (Indra) e Na-as-at-tiya (Nasatya ou As’wins). Num texto hitita relativo ao adestramento de cavalos e ao uso dos carros de guerra escrito por Kikkuli (um hurrita) se usam os números indianos para indicar as voltas de um carro num percurso: aika (índico eka ‘um’), tera (tri ‘três’), panza (panca ‘cinco’), satta (sapta ‘sete’) e na (nava ‘nueve’).
Em outro texto hurrita de Nuzi se usam palavras indianas para descrever a cor dos cavalos, por exemplo, babru (índico babhru ‘marrom’), parita (palita “cinza”) e pinkara (pingala ‘rosa pink’). O guerreiro a cavalo de Mitanni era chamado “marya” (indiano-védico marya, ‘guerreiro, jovem’). Ademais há uma série de nomes dos nobres e aristocratas de Mitanni que são claramente indianos.
É já geralmente aceito pela grande maioria dos “experts” na materia que os vestígios linguísticos arianos no Oriente Médio são especificamente indianos e não iranianos, e que não pertencem a um terceiro grupo nem tampouco se devem atribuir a um hipotético proto-ariano. Esta conclusão foi incorporada na obra de M. Mayrhofer, em sua bibliografia sobre o argumento, Die Indo-Arier im Alten Vorderasien (Wiesbaden, 1966), e é a interpretação comumente aceita. Esta se baseia no fato de que quando existem divergências entre o iraniano e o indiano e quando tais elementos aparecem em documentos do Oriente Médio, estes últimos sempre concordam com o indiano.
A divisão do proto-ariano em seus dois ramos, indiano e iraniano, deve necessariamente ter ocorrido antes que tais línguas se tenham estabelecido em seus respectivos territórios e não meramente como consequência de desenvolvimento independente depois que os indianos se estabeleceram na India e os iranianos no Iran. Esta conclusão poderia demonstrar-se errônea somente se se pudesse demonstrar que os indianos védicos, uma vez emigrados até a região do Penyab desde sua pátria primitiva tenham empreendido uma viagem de regresso até o Oriente Médio. Não há nenhuma evidência de tal eventualidade e por conseguinte uma teoria que suponha tal complicação pode ser ignorada com absoluta segurança… Uma conclusão ulterior em base a esta hipótese é que o período proto-ariano deveria ser antecipado muitíssimo tempo com respeito ao que se tenha estabelecido, e de todas as maneiras não poderia ser mandado a um período anterior ao século XX a.e.c., no máximo.
Sarasvati é em primeiro lugar o nome proto-indiano de um rio no Iran, que depois da migração foi transferido ao rio da India. O nome iraniano, Haraxvaiti, é uma palavra tomada em préstimo do proto-indiano, com a substituição de h- por s-, o que ocorre também em Hind/Sindhu. Outro caso similar é o nome do rio Sarayu, que foi transferido do Iran (Haraiva-/Haro-yu) a um rio do noroeste da India, e após a um afluente do Ganges na India oriental.
Os hurritas estavam presentes no Oriente Médio desde tempos remotos, o que se pode determinar em base a termos suméricos com ta/ibira, ‘ferreiro em cobre’, para o qual há suficientes provas que pertence a uma orígem hurrita (Otten 1984, Wilhelm 1988). Atal-s’en se descreve a si mesmo como o filho de S’atar-mat, de outra maneira desconhecido, cujo nome é também hurrita. A regra de Atal-s’en não pode ser datada com certeza, porém provavelmente pertence ao final do período gúteo (cerca de 2090-2048 a.e.c.), ou as primeiras décadas do período de Ur III (2047-1940 a.e.c.). Documentos do período de Ur III revelam que a área montanhosa ao leste e ao norte do vale do Tigre e do Eufrates eram então habitadas por povos de língua hurrítica, que eventualmente penetraram na região oriental do Tigre ao norte de Diyala. Como resultado das guerras de S’ulgi (2029-1982 a.e.c.), um grande número de prisioneiros hurritas se encontravam em Sumer, onde eram empregados em trabalhos forçados. Por este motivo, um grande número de nomes hurritas se encontram na baixa Mesopotâmia no período de Ur III. A etmologia de tais nomes é certamente ou quase seguramente indiana, por exemplo Artatama = védico r.ta-dha-man, ‘cuja habitação é r.ta’, Tus’ratta (Tuis’eratta) = védico tves.a-ratha, ‘cujo carro surge com ímpeto’, Sattiwaza = antigo indiano sa_ti-va_ja. ‘que toma un botim’, védico va-ja-sa-ti, ‘aquisição de un botim’ (Mayrhofer 1974: 23-25). O idioma hurrita se usava no século XIV a.c. ao menos até a Síria central (Qatna, e provavelmente Qadesh), e sua expansão provavelmente foi o resultado dos movimentos demográficos durante a hegemonia de Mitanni. Entre os deuses que eram ainda adorados no fim do século XIV pelos reis de Mitanni encontramos Mitra, Varuna, Indra e os gêmeos Nasatya, que cononhecemos através dos vedas, os poemas indianos mais antigos.
A longa viagem para a India
Voltando à história do nosso povo, o país descrito acima é onde os encontramos em 722 a. c. Este foi o começo da evolução de seu novo idioma adquirido, e o início do esquecimento da identidade do povo que foram no passado, exceto pela consciência de saber que eram diferentes, um povo particular que não pode mesclar-se com os “goyim” (logo “gadjôs”, “payos”). Tem certos preceitos aos quais não renunciariam, as leis de pureza ritual e a crença em um Deus Único, o Deus que prometeu e cumpriu: seriam de novo espalhados e viveriam no exílio, quiçá para sempre…Não serão mais chamados “Israel”, agora são só “homens”, que seus ancestrais no Egito chamavam “rom”.
Depois da deportação assíria, os babilônios exilaram também os compatriotas do Reino de Judá, porém eles mantiveram sua identidade, sua estrutura social e sua Tribo sacerdotal, e 70 anos depois regressaram a Canaã, sendo então reconhecidos como “judeus”. Em seu relativamente curto exílio, lograram resgatar parte de seus irmãos do antigo Reino de Samaria, porém a maioria deles permaneceu na diáspora.
Babilônia caiu em mãos de uma nova potência, Média e Pérsia, um povo não semítico e de algum modo aparentado com os hurritas de Mitanni. Tinham uma religião particular que incluia o culto do fogo e a magia; de fato os membros da casta sacerdotal se chamavam magos. Os exilados, anteriormente israelitas e agora simplesmente “homens”, rom, eram muito hábeis em tais artes e entenderam que praticá-las era proveitoso, pelo que adotaram tais elementos e os incorporaram na própria cultura, porém em função de suas relações com os outros, os gadjôs. O Império Persa era vasto, se extendia até Sakastan, mais além do Sindh. O vale do Indo era uma terra muito desejável, e teria ajudado a esquecer o exílio na Assíria, o lugar ideal para estabelecer-se e começar uma nova vida…
Ultimamente há uma organização judaica internacional chamada “Kulanu” (“Todos nós”) que se ocupa especialmente em encontrar as Tribos perdidas do antigo Israel e está logrando bons resultados em tal obra; há uma área particular no mundo onde muitos dos antigos israelitas “perdidos” tem sido achados: a India. Há descendentes dos israelitas deportados pelos assírios em cada rincão da India, desde o Kashmir a Kerala, desde Assam até o Afeganistão. Estão sendo identificados não através do idioma, pois falam línguas indianas, mas através de suas características culturais – Porém, nenhum deles tem tantos elementos hebraicos como os ciganos! É um fato acertado historicamente que as chamadas “Tribos perdidas” de Israel emigraram, segundo indiscutíveis evidências, para a India durante os períodos persa e macedônico, e que a maior parte preferiu estabelecer-se na região habitada por povos escita-sármatas, quer dizer, no vale do Indo, Kashmir, Rajastan e o alto vale do Ganges. Provavelmente não eram uma massa homogênea, pois emigraram em grupos separados para terras diferentes que geraram novas identidades étnicas, o que significa que os rom são somente um dos vários grupos israelitas que não conhecem sua própria orígem – a diferença é que os ciganos um dia regressaram ao ocidente e chamaram a atenção dos europeus, enquanto que os demais que permanecem no oriente seguem sendo ignorados e provavelmente perderam a maior parte das características que permitiriam identificá-los, características que o povo rom conservou num grau suficientemente aceitável.
Um fator que os estudiosos não levam em consideração quando investigam o argumento da orígem do povo rom é a complexidade étnica da India naquele período e supoem que tenha sido uma população mono-étnica puramente ariana, o que é uma premissa falsa que leva a conclusões definitivamente errôneas. De fato, a região de população ariana começava a sudeste de Uttar Pradesh e ao leste de Rajastan-Gujarat, enquanto que estas regiões e as terras a oeste das mesmas eram habitadas por povos escita-sarmáticos, iranianos e inclusive helênicos, além dos exilados israelitas. Um estudo geral sobre os povos e tribos que habitam desde a India norte-ocidental até o Iran revela que quase todos eles, senão todos, mantém em suas tradições a crença de que seus ancestrais chegaram ali vindos do ocidente, normalmente relacionando tal movimento com os israelitas deportados ou com os contingentes de Alexandre Magno. Alguns clans pashtun assim como a maioria das tribos kashmiris proclamam ser de orígem israelita e inclusive alguns traçam sua descendência até o Rei Saul; uma tradição similar existe entre os kalash do Nuristan, um povo que em muitos aspectos se parece com os ciganos. Os exilados hebreus-assírios encontraram uma maior tolerãncia entre as gentes escita-sarmáticas que entre outros, e suas terras eram muito mais preferidas que as dos intolerantes arianos. O mesmo sucedeu a seus irmãos judeus. É significativo o fato de que a maior parte de ambos os povos, judeus e rom, encontraram um refúgio seguro na Europa escita-sarmática por muitos séculos: efetivamente, o centro de ambas as culturas foi a Europa oriental, particularmente Hungria e Rússia. O idioma romaní teria virtualmente desaparecido se os ciganos não se tivessem estabelecido nesses países, como está provado, a gramática romaní e grande parte do vocabulário se perderam na Europa central e ocidental, por causa de perseguições e proibição da manifestação da cultura cigana, da mesma maneira que aos judeus era proibido expressar o próprio judaísmo – sem esquecer o que pode significar para os ciganos ser chamados “arianos” depois da Shoah/Porhaymós… A estadia na Europa oriental inclusive determinou algumas características relativas ao vestir, de fato, o típico traje e chapéu que usam hoje os judeus ortodoxos ashkenazim pertence à nobreza polaca e báltica do final da idade média e período sucessivo. E não é muito diferente do traje e chapéu que usam os homens dos grupos rom mais “ortodoxos”. Além do vestir, os ciganos normalmente usam costeletas abundantes, um aceitável substituto das “pe’ot” judaicas.
Premissas para uma hipótese:
·Os aspectos espirituais e culturais do povo rom coincidem exclusivamente com antigas características hebraicas;
·Os elementos relativos ao culto do fogo presentes na sociedade cigana implicam que o povo rom esteve estabelecido na Pérsia por um período suficientemente longo para havê-los adotado, e necessariamente antes da dominação islâmica, o que significa, antes de haver chegado à India;
·Alguns rudimentos culturais escita-sarmáticos presentes nos costumes ciganos são os únicos vestígios da estadia na India (além do idioma) e revelam que se estabeleceram na região não-ariana da India; tais elementos pertencem a esse período e não a um posterior, porque a cultura escita-sarmática tinha sido plenamente absorvida pelas civilizações eslavas e húngara quando os ciganos chegaram à Europa oriental;
·Quanto ao idioma, é muito provável que os rom falassem já uma língua indiana antes de chegar à India e que essa língua tenha sido o hurrita, adotado durante os primeiros séculos do exílio na terra de Mittani.
As evidências
Há evidências irrefutáveis que concernem ao povo rom, que são a chave para descobrir sua verdadeira orígem e permitem elaborar uma trajetória histórica factível. Aqui apresento algumas delas.
Credo
As crenças ciganas mostram as seguintes características:
·Estrito monoteísmo, sem o mínimo indício de algum passado politeísta ou panteísta.
·O caráter muito pessoal de Deus, Que é acessível e com Quem é possível dialogar e inclusive discutir (concepção hebraica) – não é inacessível como Alá nem tampouco relativamente acessível como no cristianismo, que necessita de um Mediador para ter um contato pessoal com Ele.
·A existência de um mundo espiritual que consiste em espíritos puros e impuros (concepção hebraica), que representam o bem e o mal e lutam constantemente – este conceito é originalmente hebraico, porém com uma marcada influência zoroástrica que é o resultado natural do exílio assírio/babilônico/persa e que se desenvolveu da mesma forma que o judaísmo cabalístico, mostrando uma evolução contemporânea da espiritualidade cigana e do judaísmo místico, no mesmo ambiente geográfico.
·A crença na morte como uma passagem definitiva ao mundo espiritual (conceito hebreu). Não se encontra o menor indício da idéia da reencarnação.
·A pessoa falecida é impura durante sua viagem ao reino das almas (conceito hebreu), e todas as coisas relacionadas com sua morte são impuras, como também o são seus parentes durante o período do luto (conceito hebreu). Maiores detalhes no tema seguinte, “marimé”.
·O destino final do cigano depois da morte é o Paraíso, enquanto que os gadjôs podem ser redimidos e ascender ao Paraíso se foram bons com os ciganos – uma idéia similar ao conceito judeu de “justo entre os gentis”.
Estes parâmetros de fé vão mais além da religião “oficial” que os ciganos possam professar. Geralmente há elementos adicionais que pertencem à coinfissão adotada, os quais expressam de modo pitoresco e observam com grande respeito, como por exemplo a “pomana”, uma prática ortodoxa, e outras cerimônias. Também há particulares complementares de natureza supersticiosa, todos os quais tem sua orígem no culto do fogo da antiga Pérsia. Alguns são válidos no interior da sociedade cigana, como por exemplo ter sempre o fogo aceso em casa, dia e noite, inverno e verão (uma tradição que mantem as famílias mais conservadoras, enquanto que em geral está evoluindo para o uso de um fogo “simbólico” como a televisão, sempre acesa mesmo que não a esteja vendo ninguém). Outros costumes se praticam só externamente, como a adivinhação, leitura das mãos, tarot, etc., em cujos poderes particulares os ciganos não crêem porém os usam como meio de ganho no mundo dos gadjôs. Isto foi aprendido dos magos e alquimistas da Pérsia.
Há fundados motivos para pensar que os rom eram já cristãos desde o primeiro século d. c., quer dizer, antes que chegassem à India ou durante o primeiro período de sua estadia nessa região, e é a razão pela qual não adotaram nenhum elemento hinduista em suas crenças. Resulta que os rom eram bem informados sobre o cristianismo quando chegaram à Europa, apesar de não haver tido a possibilidade de ler a Bíblia. Há algo misterioso na espiritualidade cigana que nas últimas décadas os levou a uma aproximação genuína aos movimentos evangélicos (a forma do cristianismo mais próxima do judaísmo, sem santos nem culto de imagens) e neste período muitos ciganos estão dando um passo sucessivo para o judaísmo messiânico. Não existe nenhum outro povo no mundo que tenha experimentado um tal número de conversões, quase em massa, em tão pouco tempo. O fato interessante é que este fenômeno não é resultado de obra missionária mas que se manifestou de modo expontâneo e autônomo (efetivamente, os gadjôs dificilmente se atreveriam a evangelizar os “ciganos”, devotos das artes ocultas e da magia, segundo os comuns preconceitos). Contra toda probabilidade lógica, ciganos de distintos países e quase contemporâneamente, sem conhecer-se nem comunicar-se entre si, começaram a ler a Bíblia e formar suas próprias comunidades evangélicas. Agora existe a atividade missionária, porém é desenvolvida pelos ciganos mesmos e dirigida ao próprio povo. Isto se explica só considerando que existe uma herança atávica que é um fator especial da espiritualidade romaní. A maioria dos rom agora está abandonando práticas ancestrais originadas no culto do fogo e outras práticas proibidas pela Torá, como a pomana, a adivinhação e outras coisas.
Uma conjectura factível (ressalto: uma conjectura) pode ser que a primeira aproximação ao cristianismo tenha que ver com os bíblicos “magos do oriente” que foram adorar ao infante Yeshua de Nazaré; evidentemente não eram simplesmente adoradores do fogo persas, mas pessoas que esperavam na promessa messiânica de Israel. Portanto, israelitas do antigo Reino de Samaria que nesse tempo estavam já completamente imersos no culto zoroástrico, porém esperando a redenção do próprio povo. Documentos históricos assinalam que no século I d. c. houve conversões em massa na Assíria, onde os apóstolos foram enviados a buscar as “ovelhas perdidas da Casa de Israel”, e muitos habitavam precisamente nessa região. Outros apóstolos chegaram à India. Um fato curioso é que os israelitas recentemente descobertos na India são cristãos, não hindus ou de outra religião. A completa ausência de elementos hindus na espiritualidade romaní deve ter um significado.
As leis rituais, “marimé”
O conceito cigano de “marimê” equivale à forma negativa do conceito judeu de “kosher”; o primeiro indica impureza ritual, o segundo se refere à pureza ritual. A parte esta diferença de ponto de vista, a essência é a mesma (é como dizer se o copo está metade cheio ou metade vazio). O que para os rom é marimê, não é kosher para um judeu, portanto ambos tomaram as medidas necessárias para não serem contaminados, ou se se referem à uma contaminação inevitável ou indispensável, ambos seguirão certas regras para purificar-se. Da mesma maneira que é a kashrut no judaísmo, as leis que regulam o marimê são um valor fundamental na sociedade romaní e determinam os limites do ambiente social e espiritual, e condicionam suas relações com o mundo exterior (a sociedade dos gadjôs). Os Rom classificam todas as coisas em duas categorias: “vuzhô” (=kosher, puro) ou “marimê” (impuro). Esta classificação concerne primeiramente ao corpo humano, porém se extende ao mundo espiritual, à casa ou acampamento, animais e coisas.
·O corpo humano: as regras que regem as partes do corpo que devem ser consideradas impuras são exatamente as mesmas que encontramos na Torá (Lei de Moisés), em Levítico cap. 15. Em primeiro lugar, os órgãos genitais, porque transmitem fluxos do interior do corpo, e a parte inferior do corpo, porque está abaixo dos genitais. A parte superior externa do corpo é pura, a boca em primeiro lugar. As mãos tem um caráter transitivo porque devem exercitar atos puros e impuros alternativamente, pelo qual devem ser lavadas de um modo particular, por exemplo se alguém deve comer depois de ter posto os sapatos ou levantado da cama (que é impura porque está em contato com o corpo inferior). Quando as mãos foram contaminadas, devem lavar-se com um sabão separado e secar-se com uma toalha separada para tal fim. Distintos sabões e toalhas se devem usar sempre para as partes superior e inferior do corpo, e não podem ser intercambiados.
·Roupas: devem-se distinguir para serem lavadas separadamente, em diferentes recipientes destinados para cada categoria. As vestes impuras se devem lavar sempre no recipiente marimê, e os vestidos puros por sua vez se separam das toalhas e guardanapos, pois vão à mesa e tem seu próprio recipiente. As vestes do corpo superior e das crianças se lavam no recipiente vuzhô, os do corpo inferior no recipiente marimê. Todos as vestes da mulher são impuras no período das menstruações e se lavam com os artigos marimê. O único povo que aplica estas regras para lavar fora os ciganos são os judeus.
·O acampamento: antes da recente urbanização forçada, o lar romaní era o campo, muito mais que a casa. O campo goza da categoria de pureza territorial, pelo qual as necessidades fisiológicas se devem fazer fora do mesmo e das proximidades (ou eventualmente, os serviços higiênicos se constroem fora do campo); este é um preceito judaico (Deuteronômio 23:12). O lixo também deve ser posto a uma distância aceitável do campo.
·Nascimento: o nascimento de uma criança é um evento impuro e deve ocorrer, quando possível, em uma tenda isolada próxima, fora do campo. Depois do nascimento, a mãe é considerada impura por quarenta dias e sobretudo na primeira semana: esta regra é exclusivamente mosaica, estabelecida na Torá – Levítico 12:2-4 -. Durante esse período, a mulher não pode ter contato com coisas puras ou realizar atividades como cozinhar ou apresentar-se em público, especialmente na presença dos anciães, e não pode assistir a serviços religiosos. São destinados pratos, xícaras e utensílios exclusivamente para ela, os quais se descartam passado o período de purificação, assim mesmo os vestidos e a cama que usou se queimam, e também a tenda onde ela habitou durante esses 40 dias. Esta lei é completamente desconhecida para todos os povos, exceto ciganos e judeus.
·Morte: como prescreve a Lei judaica, a morte de uma pessoa comporta impureza ritual para todos os familiares e todas as coisas que tenham sido involucradas nesse momento. Toda a comida que havia na casa do falecido deve ser jogada, e a família é impura por três dias. Devem-se observar regras particulares durante esses três dias, como lavar-se só com água para não fazer espuma, não pentear-se nem enfeitar-se, nem varrer, nem fazer furos, nem escrever ou pintar, nem tirar fotografias, e muitas outras coisas. Os espelhos devem ser cobertos. O acampamento onde ocorreu a morte é abandonado e transladado a outro lugar, ou se vende a casa aos gadjôs. A alma do defunto se crê que vaga por três dias para purificar-se antes de chegar a sua habitação final: isto não está escrito nas Escrituras Hebréias, porém é uma idéia comum entre algumas correntes místicas do judaísmo. O conceito que estabelece que o contato com o corpo morto implica impureza não se encontra em nenhuma tradição se não só na Bíblia (Levítico 21:1). Assim como está prescrito na Lei Judaica, também entre os rom é obrigatório que o corpo seja sepultado e não pode ser queimado.
·Coisas: podem ser marimê por natureza ou por uso, ou ser contaminadas por circunstâncias acidentais. Qualquer coisa que entre em contato com a parte inferior do corpo é impura, como sapatos, meias, etc., enquanto que as mesas são puras. As regras que concernem estas leis são descritas em Levítico 15 e outras Escrituras Hebraicas.
·Animais: os ciganos consideram que os animais podem ser puros ou impuros, ainda que os parâmetros em base aos quais são classificados diferem dos hebraicos. Por exemplo, cachorros e gatos são marimê porque lambem a si mesmos, cavalos, asnos e todo animal de monta é impuro porque a pessoa se senta sobre eles, etc. Os animais impuros não se devem comer.
·Espíritos: os espíritos maléficos são marimê, o que é um conceito judaico.
Leis matrimoniais
O noivado e as bodas ciganas se celebram da mesma maneira que se fazia no antigo Israel. Os pais de ambos os esposos tem um papel essencial quanto a definir o dote da noiva, e as bodas se devem realizar dentro da comunidade rom, sem participação das instituições dos gadjôs. No caso em que a mulher foge com seu homem sem o acordo dos pais, o casal é automaticamente reconhecido como casado, porém a família do noivo deve pagar um ressarcimento aos pais da noiva, normalmente equivalente ao dobro do dote; tal compensação se chama “kepara”, uma palavra que tem o mesmo significado do termo hebreu “kfar” (Deuteronômio 22:28-29). O pagamento do dote por parte da família do noivo aos pais da noiva é um regulamento bíblico, exatamente o contrário dos povos da India, nos quais é a família da noiva que deve pagar à do noivo.
Há um preceito particular que deve ser observado para consolidar o matrimônio, o “pano da virgindade”, que deve ser mostrado à comunidade depois da primeira relação sexual – este preceito está escrito na Torá, Deuteronômio 22:15-17. Logo, no caso de casais que fogem tal prática carece de sentido e portanto não é observada.
Comportamento social
Assim como os judeus, os ciganos assumem distintos parâmetros de comportamento para as relações com sua própria gente e para a interação com os estranhos, de modo tal que se pode afirmar que a oposição rom/gadjôs e judeus/goyim são reguladas de maneira muito similar, quiçá idêntica em quase todos os detalhes. Uma vez que os gadjôs não conhecem as leis que concernem ao marimê, são suspeitos de ser impuros ou se supõe que o sejam; alguns rom nem sequer entram em casas de gadjôs – o mesmo costume existia no antigo Israel, e ainda é praticado pelos judeus ortodoxos. Os gadjôs que se fazem amigos dos ciganos são admitidos quando conhecem as regras e as respeitam de modo que não ofendam à comunidade, depois de ter superado algumas “provas” de confiabilidade. Por outro lado, as instituições dos gadjôs se usam como “zona franca”, onde se podem realizar atividades impuras com segurança – um exemplo típico é o hospital, que permite evitar de montar uma tenda especial para o parto.
Cortesia, respeito e hospitalidade são obrigatórios entre os ciganos. Quando se cumprimentam cada um deve perguntar pela família do outro, desejando bem e bençãos para todos os membros, ainda que seja a primeira vez que se encontrem e na realidade não se conheçam as respectivas famílias. A própria apresentação inclui os nomes dos pais, avós e todas as gerações que se recordem – o nome e sobrenome civis não tem importância; os ciganos se chamam como no antigo Israel, A filho de B, filho de C, da família D. Isto é comum a vários povos do Oriente Médio, porém o modo como o fazem os ciganos é particularmente bíblico.
As causas judiciais entre os rom se apresentam à assembléia de anciães, exatamente como na Lei Mosaica. A assembléia de anciães se chama “kris”, e é uma verdadeira Corte de Justiça, cujas sentenças devem ser obedecidas, do contrário a parte inobservante pode ser excluída da comunidade romaní. Os casos geralmente não são tão sérios para não poderem ser resolvidos com o pagamento de uma multa ou ressarcimento, como está regulado na Torá (Êxodo 21:22, 22:9; Deuteronômio 22:16-19).
Há muitos outros aspectos que podem ser de importância secundária, que mesmo assim recordam os antigos costumes e regras israelitas. Lamentavelmente, tais detalhes se vão perdendo com as novas gerações (como muitos se perderam entre os judeus também) por causa do sistema da sociedade moderna que restringe a liberdade de indivíduos e comunidades “exóticas”. Porém, os sentimentos e tendências ciganas devem ser levados sériamente em conta, porque correspondem à uma herança psicológica ancestral que se transmitiu de geração em geração, de maneira subconsciente porém reclamando as próprias orígens. Por exemplo, os ciganos não sentem absolutamente nenhuma atração pela cultura ou a música da India (e mais, as mulheres ciganas tem um timbre de voz baixo, em contraste com as cantoras indianas, um detalhe que pode ser insignificante, porém quiçá não), enquanto que os ciganos gostam muito da música do Oriente Médio. Na Europa oriental, a maioria das expressões musicais são ou judias ou ciganas, e muitas vezes a mesma obra é atribuida ou a uma ou a outra destas duas tradições. As bandas de “klezmorim” tem sido muitas vezes compostas por rom junto com judeus, e o jazz de estilo europeu foi cultivado por ciganos e judeus. O flamenco é provavelmente de orígem sefaradita, praticado pelos judeus antes de serem expulsos da Espanha, e logo herdado e desenvolvido pelos ciganos. Em outros aspectos, os rom tem uma grande habilidade comercial (e se é necessário trabalhar em sociedade, os judeus são os preferidos) e aqueles que escolhem inserir-se profissionalmente na sociedade dos “gadjôs”, preferem as mesmas carreiras que escolhem os judeus (provavelmente por motivos relacionados com as leis de pureza ritual, que não permitem que se exercite qualquer tipo de trabalho). Enfim, ainda que não menos importante, os ciganos fazem uma distinção entre os “gadjôs” comuns e os judeus, que não são considerados completamente gadjôs, mas como uma categoria intermediária que observa as leis de pureza ritual e portanto não estão sujeitos a suspeitas.
Conclusão:
Este breve estudo tem como objetivo estabelecer as bases para uma nova, diligente e séria investigação sobre a orígem do povo rom e sintos, que seja fundamentada em aspectos culturais e espirituais em lugar de seguir sustentando uma linha exclusivamente linguística que leva a uma posição equivocada. As evidências apresentadas não excluem categoricamente que os rom possam ter habitado em Kannauj ou alguma outra parte da India, ainda que o vale do Indo pareça ser a região mais apropriada, mas demonstra que de todas as maneiras os ciganos não pertencem às etnias indianas (e muito menos arianas), e que suas raízes são semíticas e mais precisamente hebraicas. Grupos israelitas eram numerosos na India, e tem sido possível redescobrir alguns deles deixando de lado a indicação linguística (porque todos eles falavam línguas indianas) e concentrando a investigação em indícios culturais que revelam a verdadeira orígem, tais indícios tem sido até hoje menos determinantes que os que podemos encontrar na cultura romaní, porém tem sido suficientes para reconhecer a etnicidade israelita.
Sándor Avraham
traduzido por João Romano Filho
«Não sabemos explicar muitos de nossos comportamentos mais expontâneos, porque fazem parte da nossa herança ancestral.
Até que alguém acenda uma luz e nos diga claramente o porquê de detalhes que antes nem sequer notávamos.
O extraordinário trabalho de pesquisa de Sándor Avraham é esta espécie de espelho, que nos deixa perplexos».
João Romano Filho (Sinto Estraxhari do Brasil)