Mestres


Mestre

Mestre da Jurema Sagrada Catimbó

Primeiro Vamos ver a definição da Palavra mestre.
O mestre (feminino: mestra) É um indivíduo que adquiriu um conhecimento especializado sobre uma determinada área d o conhecimento humano.
* Um iniciado ápos a ser batizado dentro da Jurema Sagrada Catimbó, recebe o titulo de  Juremeiro, como ser catolico, evangelico, etc.Só é considerado Mestre depois da sua 3 geração dentro da Jurema Sagrada Catimbo.Onde um de seus discípulos tem seus discípulos e estes os seus, ou seja os tataraneto, assim o Juremeiro passa a ser um Mestre dentro da Jurema Sagrada pois assim ela já provou do mel e do Fel dentro da Jurema Sagrada.
Há Reinado que ápos a consagração o jurema se da o titulo de Mestre. Na Jurema de Tupã quando o Juremeiro Passa a ter a sua 3ª Geração tem um ato interno que o consagra a mestre.
 (Juremeiro Neto.)
Com sua grande especialização no assunto, é capaz de dar aulas a pupilos. Habitualmente é usado como título académico para aquele que defendeu um mestrado
Meleagro .(Camara Cascuro)
Depoimento e pesquisa sobre a magia branca no Brasil
Fonte (http://www.aguaforte.com/herbarium/Cascudo.html)
O catimbó no Nordeste do Brasil permanecia inalterado na confiança popular, segundo o autor, com suas receitas vegetais, despachos, tecendo amor, provocando a morte. Entendeu que a feição mais decisiva dessa manifestação folclórica era a da feitiçaria européia, onde se dispensava a iniciação. Porém, salientou que o feitiço, não tinha nada a ver com o diabolismo bruxo europeu, com suas invocações e pactos com Demônio.
No íntimo do Catimbó estava a presença dos ensinamentos sobre a flora transmitidos pelos índios, sendo que seus mestres foram ex-escravos, cujas vidas sem história, ressurgiam como soberanos nos reinos da Vajucá e de Juremal.
Os mais antigos mestres do catimbó eram negros. Segundo Cascudo, teria sido influenciado, na primeira fase, pelo catolicismo e, posteriormente, na época de sua pesquisa, pelo espiritismo com seu vocabulário, cerimonial e dialética catequizante.
A fitolatria, com destaque para a planta jurema, era um dos pontos altos do universo catimbozeiro, cujo nome catimbó era moderno, quando Cascudo, em 1928, iniciou sua pesquisa. Nos séculos XVIII e XIX, segundo ele, dizia-se beber jurema ou adjunto da Jurema, entendido como reunião, sessão ou agrupamento. Faziam a bebida com a jurema (Mimosa hostilis Benth, Leguminosae) e bebiam-na. Era remédio, alegria, desabafo e sublimação. Bebiam, amavam, sonhavam em reuniões clandestinas. A jurema, através da possessão, fazia perpetuar a memória dos mestres que viveram no Pernambuco e na Paraíba naquele século e mesmo antes. Eram dotados de poderes extraordinários, podendo tornar-se invisíveis, atravessar quarteirões com um único salto, serem videntes, curadores, telepatas (Carvalho, 1989). “Beber jurema” continuou como sinônimo de feitiçaria e de reunião catimbozeira.
As plantas que curam, conhecidas dos pajés, juntavam-se às tradições do bruxo europeu e do negro, também grande conhecedor dos segredos das ervas, assumindo a posição do mestre orientador, o dono dos segredos, uma constante etnográfica de grande poder psicológico, segundo Cascudo. Acentuava-se o receituário de procedência vegetal, chás, infusões, fricções, fumigações, ou traziam junto ao corpo um amuleto, orações fortes, lasca de jurema ou outra madeira sagrada que tivesse passado pelas cerimônias votivas.
O fundamento da magia no catimbó, conforme viu Cascudo, ligava-se à velha concepção universal da continuidade simpática. Entendia-se que o homem era uma unidade indivisível e tudo que lhe pertencia ou sofria contato, fazia parte de seu todo, como roupa, cabelo, sangue, saliva, etc., constituindo elemento vivo, mesmo depois de destacado e distante do corpo. Qualquer ação sobre esses fragmentos refletiria sobre a pessoa.
1-Dos critérios metodológicos adotados pelo autor para a realização das pesquisas de campo e bibliográfica.
Câmara Cascudo, nesta sua obra, deixa bastante clara a obediência a uma metodologia própria, fundamentada em dois princípios básicos: o conhecimento adquirido através de incansáveis leituras e sua experiência de sertanejo, marcada pela convivência direta com os costumes não só do sertão, como, também, com a cidade. O fundamental era: Registrar o que foi visto, como já enfatizava logo quando de seus primeiros escritos. É pela simplicidade, pela convivência que Cascudo acreditava poder ver as coisas que os outros intelectuais eram incapazes de perceber, comenta (Neves, 2001).
A pesquisa bibliográfica e documental e depoimentos orais era sua arma de pesquisa. Dizia que a melhor escola era a liberdade, tendo descoberto a tempo o perigo de se filiar a uma corrente ou um pesquisador, o que implicava em aceitar, também, os defeitos dele. Porém, deixou clara sua preocupação em se deter na análise dos dados recolhidos de seus contatos com os informantes e das leituras que fizera no decorrer de 20 anos de pesquisa sobre a magia branca. Deixou evidenciar, ainda, sua vasta erudição, conforme é possível ser observado quando percorremos as inúmeras referências bibliográficas apresentadas em todo o corpo do livro (Gigo, 2006).
Durante os anos de pesquisas sobre magia branca, Câmara Cascudo foi acumulando dados recolhidos de suas andanças atrás de pistas que o levassem a melhor entender este aspecto do folclore nordestino. Tais dados foi reunindo em crônicas sobre o que via e ouvia quando de suas pesquisas, as quais eram publicadas em jornais do Rio Grande do Norte. Os registros em crônicas significavam para ele, Preparar os elementos da Posteridade, como costumava dizer (Neves, 2001:2). A posteridade fará sua casa com o material que juntamos no presente (Cascudo, 1952-1956).

Antigos Mestres
Foi intensa sua correspondência com Mário de Andrade: desde 1924 trocavam cartas. Insistia para que seu amigo fosse ao Rio Grande do Norte para comer, beber, respirar e ver o Nordeste. Típico. Autêntico. Completo (Neves, 2001:4). Tendo manifestado o desejo de atender ao convite do amigo, em carta de 26 de setembro de 1924, afirma ter “enorme fome” pelo Norte. Em 26 de junho do ano seguinte, confessa:
Meu Deus! Tem momentos em que eu tenho fome, mas positivamente, fome física, fome estomacal de Brasil agora. Até que enfim sinto que é dele que me alimento. Ah! si eu pudesse nem careceria você me convidar, já faz sentido que tinha ido por essas bandas do norte visitar vocês e o norte. (Andrade, 1991:35)
2- Do posicionamento crítico no julgamento de valores culturais e sociais, relacionados ao objeto da pesquisa.
Está certa Vânia Gigo (2006), quando diz que Cascudo foi motivado por dois impulsos originários: um mais acadêmico/formal e outro contaminado pela subjetividade, denunciando na escritura de seus textos, a emoção e a sensibilidade. Certamente, a sensibilidade a que se refere a autora, adivinha da constante convivência com o homem simples e sua maneira de sentir e pensar as coisas que o cercava, fossem de ordem material ou espiritual. Porém, uma leitura cuidadosa de Meleagro, nos coloca diante de um Cascudo imparcial nos relatos, nas observações e análises dos dados levantados, mantendo um posicionamento horizontal, sem os altos e baixos impulsionados pelas impressões sobre o que via e ouvia. Deduz-se, da leitura desta obra, que este cultor do saber popular manteve-se isento de qualquer juízo preconceituoso ou preconcebido, ao lidar com as coisas do Nordeste e de sua gente.
Estavam no catimbó visto e pesquisado por Câmara Cascudo muitos dos elementos essenciais para a análise do fenômeno mágico embutido em suas práticas. Dentre aqueles elementos estavam as plantas de poder, herança indígena, principalmente as nativas brasileiras (Camargo, 1999), com destaque para o fumo (Nicotiana tabacum L. Solanaceae), chamada “marca”, provocadora do transe e a jurema (Mimosa hostilis Benth. – Leguminosae), com a qual era preparado o “cauim”, uma bebida ritual à base de aguardente e raiz de jurema, consumida enquanto o “mestre” fumava em um cachimbo feito de raiz da mesma planta. Durante as sessões não se fala. Fuma-se e bebe-se muito.
Com o ato de fumar, dizia Cascudo, se obtinha o transe, com inalações profundas. Herança indígena, quando o pajé, segundo o autor, preparava o cigarro com a entrecasca, ou o liber mais fino da árvore conhecida por tauari (Courataria tauary Berg – Lecythidaceae), comum no interior da Amazônica. Este invólucro era muito usado para enrolar cigarros, sendo que por vezes os índios reforçavam o poder inebriante, aspirando o pó do paricá (Anadenanthera peregrina Benth. Leguminosae (Cruls, 1976).

Foi o Maior Históriador do Brasil
Catimbó era o cachimbo, porque sem cachimbo não havia catimbó, visto que com ele se invocava os “mestres do além”, com o fumo sagrado. O cachimbo era o verdadeiro catimbó e seu segredo, o qual chamavam de “marca mestra” ou simplesmente “marca”. Outros chamavam de “marca”, a vareta que tinha na extremidade o cabacinho, com caroços secos, o maracazinho.
Dizia-se “mesa” ou “fazer a mesa” para as sessões de catimbó que podiam ser, também, denominadas “fumaça”, havendo a voltada para a direita com trabalhos para o bem ou “fumaça” para a esquerda com trabalhos para o mal, sendo que quem as dirigia eram os “mestres do além”, acostados nos “mestres de mesa”. A fumaça para o ritual propiciatório de abertura da sessão, era uma mistura de incenso, benjoim, alecrim, plantas aromáticas. Para alguns trabalhos, o “mestre” operava com fumo, mata-pasto, jurubeba, casco-de-burro, jurema, fumado pelo “mestre” em seu cachimbo, às avessas, pondo a boca no fornilho e soprando a fumaça pelo canudo. Lembrou Cascudo que o uso do cachimbo foi ensinado pelos negros e sua importância era tal que o cachimbo era o verdadeiro catimbó e seu segredo, sendo que sem ele não havia catimbó.
Herança indígena, também era o uso do maracá de sementes, feito com cabaço (Crescentia sp Bignoniaceae), que, posteriormente, em alguns lugares foi substituído pelo maracá de folha de flandres, embora predominasse o de origem vegetal. Havia, ainda, o denominado “marca mestra”, o maracazinho já citado, aquele que tem na extremidade de uma varinha um cabacinho com sementes, sempre em número ímpar.
De influência do catolicismo, Cascudo destacou a presença do Cristo em posição de crucificação sem a cruz, imagens de Santo Antônio e Santa Bárbara, incenso, velas acesas e a chave lembrando aquela do Sacrário, usada na abertura e fechamento das sessões e em rituais de fechamento de corpo.
O transe do “mestre da mesa” decorria das profundas inalações do fumo tragado de seu cachimbo, somadas à absorção da bebida ritual à base da jurema, denominada cauim, destacando que não havia no catimbó, “mestre” abstêmio. Durante a sessão, o próprio “mestre do além”, incorporado, pede cauim, entregando-lhe a garrafa cheia. De seu conteúdo ele absorve só o “espírito”, devolvendo-a cheia mas já enfraquecida, visto que o “mestre do além” já havia consumido seu espírito.
Cascudo fez referência à influência do Espiritismo kardecista infiltrado no catimbó, nivelando as visitas austrais, permitidas a qualquer assistente, visto que outrora, o único a receber a visita do além, eram os “mestres”, os únicos que podiam conhecer os “mestres invisíveis”. Aos “mestres” ficaram-lhe reservados os direitos de supervisionar as receitas, abrir e fechar as sessões e guardar os segredos da arte de fechar o corpo, de preparar garrafadas, feitiços para o amor, para o ódio e para os bons negócios. Admitia que havia no tempo de sua pesquisa a figura do charlatão com poderes sobre a popularidade, embora não houvesse um sinal de legitimidade do “real mestre” que era a semente. Esta era uma saliência que os “mestres” traziam por debaixo da pele da mão ou no lóbulo da orelha, colocadas secretamente pelos “mestres do além”, a quem de merecimento, sagrando-os “mestres”.
Na ocasião da pesquisa de Cascudo disse-lhe um “mestre”, que a maioria dos consulentes procurava-o fora da sessão, pois as reuniões com muita gente estavam cada vez menos importantes. Oitenta por cento eram para “trabalhos de esquerda” contra alguém e vinte por cento para pedir remédio e conselhos, cujo preço para o trabalho era estipulado. Quase não mais existia sessão dos “mestres curadores”, com a consulta popular.
Para as sessões de fechamento de corpo depois do ritual, o candidato toma o cauim, a aguardente com raiz de jurema.
Referente à flora medicinal, esta era essencial nos receituários verbais, acrescentando que quem preparava os remédios não era o “mestre da mesa” e, sim, um fabricante, visto que o mestre apenas indicava as raízes, folhas, sementes etc., que eram encontradas nos mercados públicos. Os mestres ensinavam a preparar os cozimentos, as defumações, os lambedores (xarope), chás, emplastros, fricções, banhos, fumigações, etc. e as partes e quantidades das plantas para cada caso particular.
Um dos processos tradicionais do catimbó era a fricção aromática ou o cauim, aguardente com jurema. Com orações surdas o “mestre” esfregava a aguardente e raspas de jurema nas “partes fracas”, nas entradas como curvas das perna e braços, pulsos, testa, pescoço, sobre as pálpebras e narinas
Cada mestre tem sua “linha”, um canto de melodia simples, resumindo a ação sobrenatural e as excelências do poder, disse Cascudo. Mestre Carlos era muito conhecido dos catimbozeiros, sempre pronto, tanto para o “bem” como para o “mal”. Quando “acostava”, o médium ficava estrábico, fazem bico com os lábios.
A “linha” era o canto entoado pelo “mestre da mesa”, continuado pelo “mestre do além”, invisível. Segundo Cascudo, o canto agia diretamente sobre a emoção, criadora da energia psíquica, sugerindo um estado, um nível de extrema receptividade. A melodia era privativa de cada um. A letra, fácil ou obscura, nada mais significava que um simples pretexto rítmico. A linha era entoada pelo “mestre” para invocar um “mestre invisível”. Quando este “acostava”, mudava o timbre, visto que já era o próprio invocado que cantava, sempre acompanhado pela “marca-mestra” que ia ritmando a divisão dos períodos musicais.
Explica que de 1928 a 1949 estudou a magia dos catimbós e feiticeiros, rezadeiras, curiosos, curadores, sem qualquer idéia de provar qualquer coisa. Era apenas, e essencialmente, ver, ouvir, verificar um estado normal de alta percentagem da população brasileira, presente e contemporânea.
Cascudo procurou evidenciar a antiguidade de muitos dos elementos do catimbó, se reportando à Antiguidade Clássica e os segredos da Idade Média, como se tudo continuasse até nossos dias.
4-Da contribuição de sua obra para estudos correlatos.
Com toda certeza, Meleagro constitui leitura obrigatória àqueles que vão em busca de subsídios para o estudo o analítico do catimbó nordestino, com destaque para os aspectos das práticas médicas de cunho mágico-terapêutico a base de plantas medicinais.
O trabalho detalhista deste eminente potiguar representa importante contribuição aos estudos ligados às religiões populares, predominantemente orais, a exemplo da jurema, do catimbó nordestino e pajelança do Norte, com vistas a estudos posteriores da dinâmica desses sistemas de crença.
Namoros com a medicinaI. Terapêutica musical – II. A medicina dos excretos
Mário de Andrade, justifica a temática do livro ora em estudo, dizendo:
Resta explicar, rapazes, porque ligo tanto à medicina. Ninguém, ignora que uma das … pegas infantis mais vulgarizadas no Brasil, e talvez, no mundo, é perguntarem ao rapazinho o que ele vai ser na vida. Foi o que fizeram também comigo uma vez, eu não teria 10 anos. Fiquei atrapalhado, com muita vergonha de mim, e de repente, escapei: – Vou ser médico.
Foi daí que se habituou a fichar tudo que ouvia e via sobre a medicina que o povo adotava.
Em ADVERTÊNCIA, na abertura de livro, diz:
Sei, juro que sei que estes ensaios valem pouco. Valem aliás o que verdadeiramente sou: Aquela “pachorra investigadora” que a crítica sutil de Gilberto Freire decidiu de minha literatura. Minha maneira de trabalhar é assim: vou lendo, desgraçadamente sem muito método, aquilo que pelo seu autor ou seu assunto me dá gosto, ou responde às perguntas do meu ser muito alastrado. Como desde muito cedo tive memória pouca mas estimo ter resposta pronta às minhas perguntinhas, tomei o hábito virtuoso de fichar. Por que eu fichava? Fichava sem saber porque fichava. Fichava por causa daquela resposta de menino e porque os instintos viciados, ignorantes das proporções e dos anos, continuam imaginando que ainda serei médico um dia.
Os ensaios: Terapêutica musical e Medicina dos excretos foram reproduzidos, primeiramente em Publicações Médicas, conforme ele escreveu em Advertência, a 22 de novembro de 1937, em São Paulo, constante da edição de 1939, cujos dados bibliográficos estão assim representados:
Namoros com a medicina – I. Terapêutica musical – II. A medicina dos Excretos. Porto Alegre: Livraria do Globo; 1939.
Porém, na contra-capa da edição de 1939, na apresentação da relação das obras do autor, consta como Namoros com a medicina – Crítica e folclore, sem indicação do local e editora, publicado em 1938.
Sobre esta obra, disse Pedro Nava (2003:50): Mário de Andrade – o admirável polígrafo paulista que no seu livro Namoros com a medicina inaugurou, no Brasil, um verdadeiro sistema de investigação das informações que o folclore pode fornecer ao estudo das concepções empíricas do povo, sobre doença e os remédios.
Ensaio I – Terapêutica musical
1-Dos critérios metodológicos adotados para a pesquisa de campo e bibliográfica..
Para a realização deste ensaio, Mario de Andrade utiliza-se de métodos próprios, diferentes daqueles hoje requeridos pela academia, tal como a elaboração de um projeto com detalhamento do método científico de pesquisa a ser seguido.
Em ADVERTÊNCIA, declara: (…) Como desde muito cedo tive memória pouca mas estimo ter resposta pronta às minhas perguntinhas, tomei o hábito virtuoso de fichar. Os anos, não eu, reuniram assim um regular deserto de fichas. Apelidei “deserto” aos meus fichários, não vaidoso do número de minhas fichas, apenas porque incomparavelmente menos numerosas que os grãos de areia de qualquer prainha, quanto mais deserto. Disse “deserto” mas foi por causa das miragens. Há os que chamam me chamam de culto apenas porque tenho alguma paciente leitura. Há momentos em que me acredito estar seguro de um assunto, apenas porque sobre ele tenho cento e vinte fichas. Perigosas miragens. Não. Devo ser mais modesto e principalmente mais hábil diante de mim. Não ouso recusar que haja bastante inteligência no que escrevo. Nós, Brasileiros, somos muito inteligentes, já se costumou a falar. Mas que de perguntinhas, meu Deus! Que de desertos…
Paralelamente ao seu hábito de colecionar fichas, tinha especial interesse por fotografias, as quais lhe chegavam ás mãos, por correspondência, além das que ele próprio tirava do Brasil e seu próprio rosto modernista. Um rosto que procura resgatar, e porque não, registrar, cenas que caracterizam marcas de uma identidade nacional (Carnicel, 2002).
Nas décadas de 30, 40 e 50 recebeu farta correspondência, cerca de 7.000, as quais vêm sendo catalogadas no Instituto de Estudos Brasileiros da USP. Da correspondência ativa, denota-se que era grande seu desejo de conhecer o Brasil e de ir ao encontro das manifestações folclóricas, conhecidas através das fotos que recebia seguidamente. Eram envelopes que chegavam e partiam levando textos, bilhetes, recortes, documentos, cartões postais e fotografias. Mais que isto: cartas que transportavam idéias do maior epistológrafo brasileiro de sua época, conforme comenta o autor citado acima.
Em carta a Câmara Cascudo, seu amigo, Mário de Andrade faz um agradecimento: Junho de 1925. Você nem imagina o gosto que me deu o campeiro vestido de couro que você me mandou. Andei mostrando pra toda gente e mais a fotografia do maravilhoso cacto. As três fotografias já estão guardadinhas na minha coleção. Se lembre sempre de mim quando vir fotografias da nossa terra aí dos seus lados.(Andrade, 1991:35)
Em outra oportunidade escreve a Cascudo dizendo:
Novembro de 1925. Recebi sua carta de 10 de outubro, recebi fotografias de coisas de Igaraçu… por acaso você tiver um encontro ou pessoal ou por carta com o home das fotografias, fale para ele que ainda não respondi por causa de doença. Na semana que vem talvez eu me sente à máquina e mande para ele minha gratidão e o entusiasmo baita que tive por Igaraçu. (Andrade, 1991:48)
Mário de Andrade já tinha manifestado ao amigo seu desejo de conhecer o Norte, quando em carta de 26 de setembro de 1924, afirma ter “enorme fome” pelo Norte.
As dificuldades de ordem econômica impediram Mário de Andrade de viajar. Mas, ao atender um convide de Câmara Cascudo para conhecer o Nordeste e particularmente, Natal, solicitou ao amigo a elaboração de um projeto para conferências em algumas capitais, a fim de poder equilibrar as finanças, permitindo-lhe a viagem. Esta não se concretizou por vários motivos, inclusive devido à perspectiva de realização da sonhada viagem ao Amazonas, a qual concretizou-se, indo para lá em companhia de Olívia Guedes Penteado, sua sobrinha, Margarida Guedes Nogueira e a filha de Tarsila do Amaral, Dulce do Amaral já programada há algum tempo.
Então, escreve a Cascudo, em carta de 5 de abril de 1927 e fala de sua nova expectativa:
Desconfio que parto no mês que vem pra esses nortes de vocês. Imagine que por aqui uma comitivinha dumas oito pessoas, pretendendo subir o Amazonas e subir o Madeira até a Bolívia… É sublime como viagem. É verdade que tenho pouco tempo pra conversar com você… e não poderei desta feita assuntar bem cocos e bumbas-meu-boi. Meus estudos se prejudicarão…(Andrade, 1991:7)
De 10 de dezembro a 24 de fevereiro de 1929, vai ao Nordeste, viagem custeada pela função de cronista do Diário Nacional, com a coluna diária que chamará durante sua ausência de São Paulo de O turista aprendiz. Em Natal, Câmara Cascudo é o anfitrião, indo com ele aos bairros pobres onde encontrou o catimbó, seus mestres e feiticeiros (Lira, 2003). Das crônicas publicadas no referido diário, as datadas de 15, 22, 26, 27, 28, 29, 31/12 de 1928, faz referência aos ritmos de feitiçaria e sobre o catimbó. Na crônica de 22 de dezembro de 1928, diz:
Agora vou fazendo algumas comunicações sobre a feitiçaria daqui. Estes meus dias estão vendo pouca novidade e tenho trabucado bastante, colhendo melodias, versos e outras assim eles passam.
Em julho de 1938, a Discoteca Municipal, chefiada por Oneyda Alvarenga, dando continuidade aos projetos propostos por Mário de Andrade quando ainda diretor do Departamento de Cultura, manda ao Nordeste um grupo de pesquisadores, a Missão de pesquisas Folclóricas, trazendo em sua bagagem material para vários anos de estudos a que Oneyda Alvarenga dedicou-se integralmente, por 20 anos.
A Missão era o sonho de Mário de Andrade, Paulo Duarte e Oneyda Alvarenga que se concretizava. Integravam a comitiva, além de Luís Saia, Martin Braunwieser, Benedito Pacheco e Antonio Ladeira. Sobre esta Missão, escreve a Câmara Cascudo: São Paulo, 22/1/38. Cascudinho. Aí vai o Luís Saia com a Missão. Me ajude que isto é coisa de vida ou de morte pra mim. Qualquer dia estarei aí. Abraços pra todos e me abrace.
A intenção de Mário de Andrade era unir as pesquisas de gabinete com as de campo, esclarecendo:
já afirmei que não sou folclorista. O folclore hoje é uma ciência, dizem… Me interesso pela ciência porém não tenho capacidade pra ser cientista. Minha intenção é fornecer documentação pra músico e não passar vinte anos escrevendo 3 volumes sobre a expressão fisionômica do lagarto…(Andrade, 1991:20)
Somaram-se aos dados, recolhidos aqui e acolá, outros que lhe foram passados por carta, atendendo ao pedido de colaboração que fizera Mario de Andrade, ao distribuir um questionário elaborado pela Sociedade de Etnologia e Folclore do Departamento de Cultura de São Paulo, sob sua direção Tal questionário reunia perguntas relacionadas a proibições alimentares, danças dramáticas e cura do terçol por anel. As respostas a esses questionários eram enviadas por carta, sendo que em uma delas consta Mario de Andrade como sendo o presidente da referida Sociedade.
A realização de Terapêutica musical levou Mário de Andrade a ler muito sobre a história da medicina universal, como denota a vasta bibliografia apresentada no final deste ensaio. Suas leituras recaíam, desde a feitiçaria dos medicine-men primitivos, passando pela medicina popular, pelo empirismo, pela medicina teúrgica dos povos antigos, indo buscar em Platão suas idéias sobre a música que, segundo ele, era capaz de acalmar as perturbações da alma e do corpo. Foi a Galeno e outros tantos doutores da Antiguidade Clássica, até os da idade contemporânea, com relados de curas por meio da música.
2- Do posicionamento crítico no julgamento de valores culturais e sociais, relacionados ao objeto da pesquisa .
Seu profundo e amplo conhecimento de assuntos relacionados à música permitiu-lhe, através de seu aguçado instinto de observação e análise, compreender o valor da ação fisiológica da música, particularmente dos instrumentos musicais, no íntimo dos indivíduos. Sob sua ação, apresentam-se alterações não só comportamentais, como fisiológicas, tais como aquelas experimentadas por ele, durante um carnaval em Recife, quando assistia as danças do Maracatu de Leão Coroado:
O pessoal composto quase exclusivamente de negros e negras velhas,(…) Eram só instrumentos de percussão, bombos, gonguês, ganzás violentíssimos, num bate-bate tão possante que me era absolutamente impossível escutar qualquer som de cantores. Interessadíssimo em minhas paixões folclóricas, eu me introduzira indiscretamente na roda, para ver se grafava a linha das melodias. (…) Desisti da melodia e me apliquei apenas a registrar os ritmos dos diversos instrumentos que, num binário fixo, formavam uma polirritmia de uma riqueza admirável. Estava esquecido de mim, nesse trabalho de escrever, quando senti um mal estar doloroso, a respiração opressa, o sangue batendo na cabeça como um martelo, e uma tontura tão forte que vacilei. Senti a respiração faltar, e cairia fatalmente se não me retirasse afobado, daquele círculo de inferno. Fugi para longe…
Sobre este episódio, Mário de Andrade em Compêndio da história da música, diz: Tão violento ritmo que eu não poderia suportar. Era obrigado a me afastar de quando em quando pra… por em ordem o movimento do sangue e do respiro.
Desta observação, denota-se sua posição etnocêntrica, ao julgar uma situação rotineira comum em dias de carnaval. Sabe-se, todavia, que a percussão dos instrumentos musicais requeridos pelos carnavalescos para aquele momento de festa, desempenha seu papel estimulador dos impulsos nervosos. Quanto à expressão círculo de inferno, mencionada, pode-se entender como herança cultural que prevalecia naqueles tempos, quando os valores morais, éticos e religiosos que envolviam o carnaval, ditados pelas religiões cristãs, o condenava por se tratar de festa pagã, taxada como “coisas do diabo”, segundo pensavam os mais intransigentes.
Vale relembrarmos, como já ressaltado anteriormente, a medicina popular no Brasil prende-se substancialmente a um universo sacralizado, controlador das forças sobrenaturais. Diante desta premissa, podemos admitir que as práticas médicas adotadas popularmente ligam-se a diferentes sistemas de crença com os recursos materiais e imateriais de que dispõem, a fim de entender aos males que afligem os homens e as formas de debelá-los.
Foi no universo mágico do catimbó nordestino que Mário de Andrade foi buscar os subsídios para seus estudos sobre terapêutica musical.
São incontestes os valores contidos neste ensaio. Sem dúvida, Terapêutica musical contribui enormemente para estudos, principalmente para áreas, tanto da Etnomusicologia, como daquelas ligadas às áreas médico-terapêuticas voltadas à psicologia e psiquiatria.
Sobre esta obra, diz Pedro Nava (2003:50):
Mário de Andrade – o admirável polígrafo paulista que no seu livro Namoros com a medicina inaugurou, no Brasil, um verdadeiro sistema de investigação das informações que o folclore pode fornecer ao estudo das concepções empíricas do povo, sobre doença e os remédios.
Mário de Andrade, no “Prefácio” para Na Pancada do ganzá, diz:
Não pretendi fazer obra de etnógrafo, nem mesmo de folclorista, que isso não sou: pretendi foi assuntar, atocaiar com mais garantias a namorada chegando. (…) Se alguma nova eu terei fixado, foi sempre por essa precisão que tem o amante verdadeiro, de conhecer a quem ama (Maya, op.cit).
Vasco Mariz (1989), citando Florestan Fernandes, ao comentar a contribuição de Mario de Andrade ao folclore brasileiro, teria dito que seu esforço criador foi paralelo com os trabalhos de Luciano Gallet (1934), exercendo-se em um novo campo de investigação: a pesquisa e análise do folclore musical.
Disse mais Florestan Fernandes (1946:135-6) em Mário de Andrade e o folclore brasileiro:
A perspectiva do tempo permitirá comparar a sua contribuição ao folclore musical brasileiro às de Luciano Gallet, Renato Almeida, Flausino do Valle, Guilherme T. Pereira, Luís Heitor, Mariza Lira, Oneyda Alvarena, etc., e criará novas possibilidades, ao mesmo tempo, na verificação de sua importância relativa na história do folclore brasileiro. Esta mede-se não só por seus estudos do folclore musical, mas também por outras investigações do mesmo modo valiosas (…)
Uma leitura cuidadosa de Música de feitiçaria no Brasil, permitirá ao estudioso voltado aos assuntos ali apresentados, se deparar com verdadeiro manancial de informações, principalmente naquelas contidas nas 1.184 notas comentadas por Mário de Andrade e arroladas no final, conforme estão na publicação organizada por Oneyda Alvarenga. Evidentemente, não pode ser descartada a importância das 837 obras arroladas na bibliografia de leituras iniciadas para Na pancada do ganzá, obra não concretizada e onde Mário de Andrade foi buscar os subsídios para suas análises e interpretação do precioso material coletado em campo, que resultou em Terapêutica musical.
Em 1946, em homenagem a Màrio de Andrade, António Cândido, o então jovem crítico literário, assim se expressa:
Tenho a impressão de que Mário de Andrade será um dos escritores mais estudados, comentados e debatidos na nossa futura história literária. E é possível (assim acontece a Machado de Assis) que apenas trinta ou quarenta anos depois da sua morte consiga a posteridade traçar-lhe o perfil de maneira mais ou menos satisfatória (Cândido, 1946:68).
Em 1987, volta Antonio Cândido a dizer em entrevista, da importância da contribuição de Mário de Andrade, quando à frente do Departamento de Cultura, principalmente ao transformar a vida cultural em São Paulo. Uma fermentação cultural incrível. Faz referência à Sociedade de Etnologia e Folclore, importante centro de pesquisas (Pontes, 2001)
Com relação às inúmeras anotações em fichas recolhidas de suas leituras e outras pesquisas, Mário Andrade (…) Destina a elas um cuidado especial, como se soubesse que um dia, pesquisadores das mais diferentes áreas do conhecimento tomariam esse material para detalhados estudos e produção de trabalhos científicos. Pode estar aí um pouco do material que, como profetizou Antonio Cândido, contribui na tentativa de uma “vista mais completa de sua obra e de seu espírito” (Carnicel, 2002).
São incontestes os valores contidos neste ensaio. Sem dúvida, Terapêutica musical contribui enormemente para estudos, principalmente para áreas, tanto da Etnomusicologia, como daquelas ligadas às áreas médico-terapêuticas voltadas à psicologia e psiquiatria.
Mário de Andrade, no “Prefácio” para Na Pancada do ganzá, diz: Não pretendi fazer obra de etnógrafo, nem mesmo de folclorista, que isso não sou: pretendi foi assuntar, atocaiar com mais garantias a namorada chegando. (…) Se alguma nova eu terei fixado, foi sempre por essa precisão que tem o amante verdadeiro, de conhecer a quem ama (Maya, op.cit).
Vasco Mariz (1989), citando Florestan Fernandes, ao comentar a contribuição de Mario de Andrade ao folclore brasileiro, teria dito que seu esforço criador foi paralelo com os trabalhos de Luciano Gallet (1934), exercendo-se em um novo campo de investigação: a pesquisa e análise do folclore musical.
Disse mais Florestan Fernades (1946:135-6), em Mário de Andrade e o folclore brasileiro:
A perspectiva do tempo permitirá comparar a sua contribuição ao folclore musical brasileiro às de Luciano Gallet, Renato Almeida, Flausino do Valle, Guilherme T. Pereira, Luís Heitor, Mariza Lira, Oneyda Alvarena, etc., e criará novas possibilidades, ao mesmo tempo, na verificação de sua importância relativa na história do folclore brasileiro. Esta mede-se não só por seus estudos do folclore musical, mas também por outras investigações do mesmo modo valiosas (…)
Uma leitura cuidadosa de Música de feitiçaria no Brasil, permitirá ao estudioso voltado aos assuntos ali apresentados, se deparar com verdadeiro manancial de informações, principalmente naquelas contidas nas 1.184 notas comentadas por Mário de Andrade e arroladas no final, conforme estão na publicação organizada por Oneyda Alvarenga.
Evidentemente, não pode ser descartada a importância das 837 obras arroladas na bibliografia de leituras iniciadas para Na pancada do ganzá, obra não concretizada e onde Mário de Andrade foi buscar os subsídios para suas análises e interpretação do precioso material coletado em campo, que resultou em Terapêutica musical.
Em 1946, em homenagem a Màrio de Andrade, António Cândido, o então jovem crítico literário, assim se expressa: Tenho a impressão de que Mário de Andrade será um dos escritores mais estudados, comentados e debatidos na nossa futura história literária. E é possível (assim acontece a Machado de Assis) que apenas trinta ou quarenta anos depois da sua morte consiga a posteridade traçar-lhe o perfil de maneira mais ou menos satisfatória (Cândido, 1946:68).
Em 1987, volta Antonio Cândido a dizer em entrevista, da importância da contribuição de Mário de Andrade, quando à frente do Departamento de Cultura, principalmente ao transformar a vida cultural em São Paulo. Uma fermentação cultural incrível. Faz referência à Sociedade de Etnologia e Folclore, importante centro de pesquisas (Pontes, 2001)
Com relação às inúmeras anotações em fichas recolhidas de suas leituras e outras pesquisas, Mário Andrade (…) Destina a elas um cuidado especial, como se soubesse que um dia, pesquisadores das mais diferentes áreas do conhecimento tomariam esse material para detalhados estudos e produção de trabalhos científicos. Pode estar aí, um pouco do material que, como profetizou Antonio Cândido, contribui na tentativa de uma “vista mais completa de sua obra e de seu espírito” (Carnicel, 2002).
3-Da contribuição de sua obra para estudos correlatos.
São incontestes os valores contidos neste ensaio. Sem dúvida, Terapêutica musical contribui enormemente para estudos, principalmente para áreas, tanto da Etnomusicologia, como daquelas ligadas às áreas médico-terapêuticas voltadas à psicologia e psiquiatria.
Sobre esta obra, diz Pedro Nava (2003:50): Mário de Andrade – o admirável polígrafo paulista que no seu livro Namoros com a medicina inaugurou, no Brasil, um verdadeiro sistema de investigação das informações que o folclore pode fornecer ao estudo das concepções empíricas do povo, sobre doença e os remédios
Uma leitura cuidadosa de Música de feitiçaria no Brasil permitirá ao estudioso voltado aos assuntos ali apresentados, se deparar com verdadeiro manancial de informações, principalmente naquelas contidas nas 1.184 notas comentadas por Mário de Andrade e arroladas no final, conforme estão na publicação organizada por Oneyda Alvarenga. Evidentemente, não pode ser descartada a importância das 837 obras arroladas na bibliografia de leituras iniciadas para Na pancada do ganzá, obra não concretizada e onde Mário de Andrade foi buscar os subsídios para suas análises e interpretação do precioso material coletado em campo, que resultou em Terapêutica musical.
Ensaio II – Medicina dos excretos
1-Dos critérios metodológicos adotados para a pesquisa de campo e bibliográfica.
Evidentemente, repete-se neste ensaio, o mesmo esquema adotado por Mário de Andrade em Terapêutica musical, visto que não era de praxe a elaboração prévia de um método de pesquisa a ser seguido. Tinha maneiras próprias de adquirir conhecimento sobre os assuntos de seu interesse
Para a realização deste ensaio, Mario de Mário de Andrade, acumulou conhecimento sobre o assunto, principalmente em leituras de obras, cujos autores abordavam assuntos sobre medicina popular, crendices e superstições, feitiçaria, ciências ocultas, medicina indígena, tradições populares portuguesas, mitologia, cultura africana, em relatos dos viajantes, além de livros médicos desde a Antiguidade Clássica, até contemporâneos, com destaque para as publicações portuguesas. Assim se deduz dos 79 obras citadas neste ensaio de 62 páginas.
2- Do posicionamento crítico no julgamento de valores culturais e sociais, relacionados ao objeto da pesquisa .
Este ensaio não teve leitura pública. Com relação a este fato, Mário de Andrade diz:
Deus-me-livre! Nem poderia dizer o que nessa página escrevi, nem outros escutariam. Os olhos são bem mais ásperos que os ouvidos, e aceitam com mais facilidade a descrição de uns tantos escaninhos da vida. Mas estou falando dos olhos sem razão. Nem eles são mais resistentes, nem os ouvidos mais delicados. Tudo é questão de inglesa decência, e os ouvidos requerem homem diante de homem. As palavras escritas não: a gente pode ler no seu cantinho, afastado dos seus iguais e capaz de quaisquer horrores.
Nestes dizeres, Mario de Andrade deixa explicitado o predomínio do etnocentrismo da cultura hegemônica, ditando normas de conduta, no que diz respeito aos padrões de decência a serem obedecidos em sociedade pelo homem de seu tempo. Mário de Andrade, sem nenhum constrangimento vai descrevendo solto, tanto as informações que lhe são passadas verbalmente, como aquelas compiladas das obras consultadas; porém, quando estas palavras estão inseridas em parlendas, pegas e advinhas escatófilas, ele usa abreviá-las, assim como os palavrões e àquelas palavras ligadas a partes do corpo humano ou órgão excretor, principalmente quando há um sentido pornográfico.
3-Da contribuição de sua obra para estudos correlatos.
Evidentemente, este ensaio oferece inúmeros subsídios para outros estudos relacionados aos assuntos tratados por Mário de Andrade. Tem-se em conta, ainda, a bibliografia citada, a qual remete a obras que abrem portas para um desdobramento dos tópicos abordados, encaminhando a estudos mais especializados em diferentes áreas do conhecimento humano.
Faço minhas as palavras de Paulo Duarte (1946:156) ao referir-se à A medicina dos excretos. Nele são analisados: a aplicação terapêutica dos excretos, a obsessão pelas porcarias, pelas palavras feias, coprolalia, o uso dos excrementos nas práticas mágicas – nas esferas que chamamos de magia baixa. O material é riquíssimo, sendo alguns elementos analisados do ponto de vista da filiação histórica. Sem dúvida, A medicina dos excretos, tal como se apresenta, abre novas pistas para estudos mais especializados em diferentes áreas do conhecimento humano.

Caboclo e Mestre Vira Mundo acostado em um antigo Juremeiro
Concluindo
Sem dúvida, Luís da Câmara Cascudo e Mário de Andrade têm suas histórias que se misturam quando se fala da feitiçaria nordestina. Adotando, cada um, critérios metodológicos próprios para desenvolverem suas pesquisas, andaram juntos vendo as mesmas coisas e analisando-as segundo eram seus interesses de pesquisadores: Câmara Cascudo buscando a feitiçaria branca no catimbó nordestino e Mário de Andrade, nesse mesmo catimbó, buscando conhecer sua música.
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Nava, P. Território de Epidauro. 2ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial; 2003.. Pontes, H. Entrevista com Antonio Cândido (19/08/1987) no Instituo de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo. In:Revista Brasileira de Ciências Sociais vol.16 (47) São Paulo, out. 2001.